Desde 1960

Visto, lido e ouvido — O canto da sereia

Nas próximas eleições, quanto mais se intensificar a polarização das forças políticas ao redor da esquerda e da direita, mais restarão espaços e terrenos vazios, por onde poderão crescer, livremente, as alternativas para a consolidação de uma terceira e vitoriosa via. Essa possibilidade viria com mais naturalidade e vigor se pudesse contar com um amplo apoio popular, o que, por hora, dado as complicações da pandemia, parece incerto.

O fato é que a polarização em torno de Bolsonaro e Lula é favorável ao caminho do meio por forças livres do que se convencionou chamar velha política.
Por certo que, a essa altura dos acontecimentos, dado o intenso grau de movimentações de bastidores, os dois candidatos, ditos naturais, perceberam essa possibilidade e começam a agir para não perder tempo e ganhar também nacos desse espaço central, que vai se abrindo. Os próprios candidatos, inclusive, desses extremos, deram a partida para um processo de captação dessas forças que poderão surgir entre as fronteiras da esquerda e da direita.

A apatia com a pandemia e os quase 550 mil mortos, pelo lado da direita, e a experiência traumática de 13 anos de governo petista, com a formação do maior esquema de corrupção já visto em todo o mundo, servem, cada um com sua intensidade específica, para a formação de um mínimo de juíz por parte do eleitorado, principalmente aquele formado por pessoas que enxergam na ética humana e na ética com a coisa pública as principais virtudes de todo e qualquer governante.

Os contratempos para a consolidação dessas novas forças centrais ficam por causa da possibilidade real da utilização da máquina pública em favor do candidato da situação e do forte aparato organizativo que ainda existe nas esquerdas, espalhados por todo o país.

Em entrevista ao Correio, o presidente e dono do PSD, Gilberto Kassab, uma dessas notórias raposas da política nacional, demonstra que está à espreita e com o faro fino e bem afiado para a possibilidade da terceira via, não esconde de ninguém que aposta no nome do atual presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco. Se conselho pode servir de alguma ajuda para o atual presidente do Senado, mire-se no exemplo trágico do ex-juiz Sergio Moro e faça ouvidos moucos à cantilena encantadora dessas sereias. Leia Odisseia, de Homero. No poema épico do século 8 a.C, pode estar a fórmula para livrar-se de apelos dessa natureza.

Ladinos como são, outros também têm feito acenos aos potenciais candidatos da terceira via, com as promessas de sempre e os distratos que lhes seguem. O que se assiste, até com certa curiosidade, é ao pânico, indisfarçável, que, a cada dia, vai tomando conta dos principais postulantes, muito antes da existência real dessa terceira via e da possibilidade de ela vir a retirar-lhes o chão sob os pés. Não será surpresa se, nessa marcha da insensatez, os movimentos que vão se alternando nas ruas, apoiando esses nomes da esquerda e da direita, vierem a se encontrar numa esquina que dá para uma rua sem saída e, por ação da razão, enxerguem que estão sós e sem alternativas e, com isso, baixem as bandeiras.