A primeira mensagem que recebi, no início da manhã de ontem, pelo WhatsApp, foi de uma moradora do Sol Nascente: “Será que você consegue uma cesta básica? Estou sem um grão de arroz em casa”. Viúva há três anos, ela tem sete filhos e a mais velha é uma adolescente de 15 anos. Eventualmente, ela consegue um “bico” para fazer faxina. Pedidos semelhantes são feitos quase todos os dias por mulheres da periferia.
Hoje, são 19 milhões de famintos — número próximo ao da população de São Paulo — e quase 15 milhões de desempregados no país, além dos 6 milhões de desalentados (trabalhadores que desistiram de buscar uma oportunidade no mercado de trabalho). O Distrito Federal contribui com 319 mil famílias em situação famélica. Os programas sociais dos governos federal e local não atendem a demanda, que cresceu muito desde o ano passado, com o advento da pandemia. A insegurança alimentar é realidade para metade da população brasileira — 119 milhões de pessoas.
A crise nutricional foi, sem dúvida, agravada pelo avanço da covid-19. Mas não vale responsabilizar só o novo coronavírus por mais essa tragédia humana no país, que se destaca no cenário mundial entre os maiores produtores de alimentos. Nesta triste realidade nacional, têm peso relevante, as decisões tomadas nos últimos dois anos, que desconstruíram políticas públicas voltadas aos segmentos sociais mais vulneráveis. Uma delas foi a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), com impacto na articulação e organização da política de combate à fome no país. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que garantia 43 milhões de refeições diárias para crianças, foi, igualmente, afetado pelas mudanças.
Brasil saiu do Mapa Mundial da Fome em 2014, e, hoje, ocupa o 10º lugar no ranking global. E é estarrecedor o desperdício de comida no país: 23,6 toneladas por ano, enquanto milhões passam fome. As maiores perdas são de arroz e feijão (38%), carne bovina (20%) e frango (15%). O vírus é devastador. Mas a fome também é letal. Não é com R$ 300 de auxílio emergencial que haverá mudanças no caótico cenário, sobretudo, quando em detrimento de políticas sociais, de educação e saúde, o Estado perdoa dívidas de grandes bancos privados e oficiais, conglomerados de empresas, empreendedores e do agronegócio, que somam mais de meio trilhão de reais.