Por MARCOS CINTRA — Professor e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV). Foi deputado federal (1999 - 2003) e secretário da Receita Federal (2019). mcintra@marcoscintra.org
O governo federal deu sequência à reforma tributária com o PL 2337, que muda o imposto de renda das pessoas físicas (IRPF) e das empresas (IRPJ). Trata-se da segunda fase de um processo iniciado com o PL 3887, que prevê a criação da CBS para substituir o PIS-Pasep/Cofins.
Em relação ao IRPF, destaca-se a correção em 31% no limite de isenção, que passa de R$ 1903,98 para R$ 2.500, o que inclui mais de 5,5 milhões de declarantes aos 10,7 milhões que hoje não são atingidos pelo tributo. Cumpre lembrar que os valores do IRPF são mantidos sem alteração desde 2015, acumulando com base no IPCA defasagem de 113%, o que vem mantendo 10,5 milhões de pessoas contribuindo quando poderiam estar isentas se houvesse correção da tabela.
Uma medida danosa ao contribuinte no projeto do IRPF se refere à limitação do desconto simplificado para renda anual até R$ 40 mil e a redução do teto de abatimento de R$ 16,7 mil para R$ 8 mil. Dos atuais 30,5 milhões de declarantes, os que o fazem por meio do modelo simplificado são 17,4 milhões e desses os que têm renda acima de R$ 40 mil são 5,5 milhões de pessoas. Trata-se de um ônus para muitos contribuintes.
Quanto ao IRPJ, o projeto prevê a redução da alíquota atual de 15% para 10% até 2023 e em compensação onera em 20% a distribuição de lucros e dividendos. Reduzir a tributação sobre a renda das empresas é positivo. As grandes corporações no Brasil têm ônus tributário nominal de 34%, enquanto que a média dos países ricos é de 23%. Equalizar a incidência tributária pode atrair investidores estrangeiros para o país e elevar a produtividade. Porém, a forte tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos como foi proposto deve frustrar essa expectativa na medida em que o investidor ao incorporar em sua análise de retorno os elevados riscos presentes na economia brasileira, somado ao imposto de 20% sobre a rentabilidade do capital, tende a buscar alternativas de investimentos em economias que oferecem menores riscos e tributação.
Em conjunto com as mudanças propostas no IR, tramita o PL 3887 que unifica o PIS-Pasep/Cofins em um tributo sobre valor agregado (IVA) com alíquota de 12%, denominado CBS. A medida remete ao saudoso Roberto Campos que, em certa ocasião, classificou proposta semelhante como tentativa de “aperfeiçoamento do obsoleto”. Esta é uma forma de tributação anacrônica, adequada para meio século atrás quando foi criada e não para um período, em que a economia é organizada em um ambiente digital, cada vez mais desmaterializado.
A CBS/IVA é um tributo de natureza declaratória e a elevação das alíquotas de 3,65% do PIS/Cofins cumulativo e de 9,25% do PIS/ Cofins não cumulativo para uma única alíquota de 12% aumentará o prêmio para o sonegador, algo que a reforma tributária deveria justamente combater. Ademais, o PL 3887 reforça o avanço sobre competências de estados e municípios ao tributar o valor agregado e incluir nessa sistemática diversas atividades de serviços.
Quando o PIS-Pasep/Cofins foi alterado em 2002/2003 a base de cobrança que vigia era o faturamento. A criação da modalidade não cumulativa invadiu a competência estadual ao tributar o valor agregado. A CBS abocanha ainda mais essa base e avança sobre a competência municipal de tributar os serviços.
A CBS/IVA com alíquota de 12% onera o setor produtivo em geral, mas pesa mais intensamente sobre a agropecuária e os prestadores de serviços. Na agropecuária a incidência indireta é bastante significativa em razão da forte dependência do setor de insumos industriais como defensivos e fertilizantes. No setor de serviços o problema reside no fato da mão de obra não gerar crédito e o segmento se caracterizar pela intensidade do fator trabalho.
É impensável o PL 3887 sem alíquotas diferenciadas. Mesmo assim, minimizar o impacto negativo da proposta demanda desonerar a folha de pagamentos. O setor de serviços, principal gerador de empregos, é supertributado e com a CBS, ainda que com alíquota menor, vai manter seu ônus elevado. A alternativa é a substituição dos 20% da contribuição das empresas para o INSS por uma contribuição de 0,33% sobre a movimentação financeira nas contas correntes bancárias.
A reforma tributária deve ser pensada como ação capaz de melhorar o ambiente de negócios no país, alavancar o potencial de crescimento econômico, gerar emprego e renda e distribuir de modo equânime a carga tributária. Nesse sentido, os PLs 2337 e 3887 demandam ajustes importantes e a redução do alto custo do trabalho por meio da desoneração da folha de salários das empresas é urgentemente necessária.