LAIARA AMORIM* E KÊNIA AQUINO*
Começamos esse texto, convidando leitoras e leitores a um exercício. Pensem em como foi seu primeiro contato com o avião. Sua primeira viagem? Origem e destino? Quem sentou-se ao seu lado? Fechem os olhos e revivam esse momento, antes de continuar a leitura. Agora, respondam: Quando foi a primeira vez que viram um piloto negro? E uma aeromoça negra? Perceberam passageiras/os negras/as em suas viagens? Qual a proporção em relação às/aos passageiras/os brancas/os? Com essas indagações e da inquietação gerada pela ausência de pessoas negras nesse contexto, é que nasceu o Quilombo Aéreo.
Somos um coletivo que visa trazer à visibilidade as/os tripulantes negras/os da aviação civil brasileira. Temos um grupo de advogadas, psicólogas, mestras e doutoras negras nos apoiando e nos ajudando na construção e consolidação dessas pautas. Nossa missão: mitigar os efeitos do racismo na aviação; desenvolver estratégias de autocuidado e tratar da saúde mental das/os negras/os aeronautas; além de conscientizar as empresas sobre os efeitos do racismo institucional. Nossa visão: contribuir com as pautas antirracistas também na aviação; abrir espaço para o ingresso e permanência de mais mulheres negras e homens negros na área.
Acreditamos que a transformação desse cenário somente será possível quando se reconhecer os impactos do racismo também no campo da aviação e quando conseguirmos implementar uma formação antirracista. Por isso, apostamos em ações estruturais como o projeto “Pretos que voam”, desenvolvido pelo Quilombo Aéreo, o qual possibilita uma oportunidade para pessoas pretas, de baixa renda fazerem o curso de comissários de voo. Porém, se não houver abertura e oportunidades em outras instâncias da aviação, provavelmente, demoraremos mais para atingir a equidade racial no setor. Importante destacar que embora as negras e os negros representem mais de 54% da população brasileira, o “espaço aéreo” ainda hoje é branco.
Quando falamos sobre a presença negra na aviação civil brasileira, estamos falando de nossos corpos. Ainda hoje, entre as/os profissionais da aviação, as comissárias de bordo negras são majoritariamente, os corpos negros presentes numa aeronave. A aviação regular no Brasil começou em 1927, portanto, são quase 100 anos de história. E os negros continuam sendo presenças raras, como trabalhadores e, também, como usuários do transporte aéreo. Por quanto tempo mais ainda seremos poucos?
Temos consciência de que não somos as/os primeiras/os negras/os na profissão. Por isso, somos gratas às profissionais negras a bordo que trabalharam antes de nossa chegada. Porém, percebemos que somos as/os primeiras/os dispostas/os a levantar esses questionamentos sobre a ausência de negras/os no espaço aéreo, de maneira séria e responsável. Não estamos visando somente às companhias aéreas, mas ao conjunto da aviação civil.
Atualmente, é pequeno o número de funcionárias negras nas companhias aéreas e empresas de manutenção aeronáutica. E é uma exceção, quando encontramos um colega de origem afro ocupando cargo de chefia ou de mais prestígio como piloto, supervisor(a), gerente e executivo. Quantos negros ou negras você conhece nesses cargos? Entretanto, em funções de menor prestígio social e remuneração, como rampa de bagagem e limpeza, o que vemos? É aí que se concentra a maior parte desses poucos negros trabalhadores da aviação brasileira.
Há uma barreira econômica e social que prejudica-nos nesse setor e nos demais. Econômica porque os cursos de formação para comissários e pilotos são muito caros e com exigências profissionais que impedem essa inclusão. E social, pois a maioria das/os jovens negras/os desconhece essa possibilidade de trabalho e formação técnica.
Buscar a equidade racial no setor não será tarefa fácil. Não fazê-lo é, certamente, perpetuar tanto o racismo estrutural, quanto o racismo institucional que assola essa área. Até mesmo a ausência de dados disponíveis sobre a presença negra no setor é preocupante. Sequer conhecemos uma única pesquisa sobre raça/etnia dos profissionais do setor. Porém, vemos surgirem questionamentos feitos pelos Coletivos ou nas redes sociais, sendo comum observar alguns ataques, inclusive, vindos de funcionários da área, o que demonstra a necessidade de formação sobre a temática racial.
O racismo a bordo é reflexo de uma construção histórica e social, mas questionamos: quantos pretos precisam para mudar a cor do céu? E quando seremos capazes de fazer essas transformações em busca da equidade?
*Laiara Amorim é pilota em formação, cursa ciências aeronáuticas; comissária de voo; gestora da página @voe_como_uma_garota_negra; cofundadora do Quilombo Aéreo
*Kênia Aquino é formada em comércio exterior; comissária de voo há 12 anos, chefe de equipe, professora na área; gestora a página @voonegro e cofundadora do Quilombo Aéreo