Um fato curioso e preocupante, cujos desdobramentos são incertos, vai se tornando cada vez mais evidente nas pessoas e nas suas relações sociais: com a pandemia prolongada, imposta pelo coronavírus, o que seria um isolamento voluntário, condicionado pelo medo real da transmissão da doença, foi, com o passar do tempo, se transformando numa espécie de enclausuramento voluntário. Isso fez com que muitos indivíduos simplesmente perdessem o gosto pelo convívio social e adquirissem o hábito de ficarem trancados em casa, transformando esse ambiente onde vivem no que seria uma réplica em miniatura do mundo.
Não surpreende que, durante esse processo de afugentamento das ruas, as pessoas passaram a se preocupar mais com o ambiente em que vivem. Elas passaram a dedicar mais tempo ao que consideravam ser o aperfeiçoamento desse espaço. Promoveram reformas, compraram móveis mais confortáveis e equiparam o lar com todo o tipo de parafernália eletrônica, principalmente computadores e equipamentos que pudessem mantê-las em conexão direta e instantânea com o mundo externo, obviamente sem a necessidade de deixar essa espécie de novo porto seguro.
De um certo modo, o isolamento social a que a pandemia obrigava fez nascer em muitos uma nova categoria de ser social: o indivíduo ermitão, que mesmo habitando em cidades superpovoadas e frenéticas, adquiriu um gosto misterioso pela solidão domiciliar, onde aparentemente se sente mais seguro e protegido do que em meio às multidões e junto aos seus semelhantes.
Por outro lado, é preciso recordar que não é de hoje que a maioria das metrópoles pelo mundo, mesmo nos países mais desenvolvidos, se tornaram violentas e hostis às pessoas, sobretudo quando a noite cai. Trata-se aqui de um fenômeno mundial, mas que no Brasil adquiriu uma feição bem sangrenta, com muitas áreas centrais da cidade dominadas pelos criminosos. Nesse aspecto a pandemia veio apenas potencializar uma tendência que parecia já estar em andamento.
De fato, o velho costume dos boêmios de perambular pelas ruas sob a luz do luar deixou de ser uma moda e se transmutou num medo pavoroso e distante. Ao transformar o lar numa espécie de bunker, pretensamente infenso aos perigos do mundo externo, esse novo indivíduo do século 21 aliou à síndrome de pânico que já experimentava em pequenas doses uma condição autoimposta que o transformou num exilado cercado pelas paredes de sua própria casa e onde parece viver com a ansiedade mais controlada.
Por certo, o isolamento social, mesmo em face dos temores reais existentes no mundo externo, tem feito mal à saúde mental dessas pessoas. São por sua condição voluntária, um remedo dos antepassados, que viveram em cavernas. Experimentam, por esse motivo, as mesmas sensações vividas por aqueles indivíduos que, de costas para a entrada da caverna, acreditavam ser o mundo real apenas as imagens e as sombras que eram projetadas pela luz externa, contra a parede.
É o mito da caverna, feito agora por meio das telas de computadores e celulares, a mostrar um mundo que existe, mas que não pode ser vivido em todos os sentidos e que tampouco interessa ser experienciado em carne.