Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS — General de Divisão R1
“Se gritar pega ladrão,
não fica um meu irmão.”
(Ary do Cavaco)
Não havia euforia, a felicidade era administrada a conta-gotas, mas, resilientes, navegávamos tentando encontrar a rota para a ilha da Utopia, o mundo ideal de Thomas Morus. A luz do farol brilhava e, mesmo longe, já se podia enxergá-la. Talvez estivéssemos maduros para afrontar Vianna Moog, em sua obra Bandeirantes e Pioneiros, dando as costas para o mar e nos voltando para o nosso país.
Romper com o padrão de uma sociedade viciada na sinecura, na vida exclusivamente como soma de privilégios e direitos, nunca de trabalhos, responsabilidades e deveres. Havia um sentimento de que chegara o momento de reescrevermos a história do país e de sua sociedade perante o mundo; do aprimoramento de seus valores e costumes, e de sua política em lato sensu.
O movimento tomou corpo, envolveu muitas pessoas, culminando com a ascensão de um projeto que visava debelar a corrupção entranhada em nosso dia a dia, fortalecer a iniciativa privada, aliviando encargos do Estado e, por fim, abdicar dos conchavos espúrios para gerir o governo. Em pouco tempo, uma a uma, as pernas desse tamborete foram sendo quebradas, a ponto de ser impossível reconhecê-las no momento em que vivemos.
O sonho sonhado pela sociedade não é mais palpável. Encontra-se invisível aos nossos olhos. Estamos tateando no escuro da frustração (o farol apagou), ao vermos as ansiedades cidadãs ficarem alijadas no meio da travessia. Não há tempo a desperdiçar. Uma outra ronda eleitoral, como uma borrasca, se aproxima rapidamente. Concentremo-nos na análise da perna do banquinho etiquetada como corrupção. A meu juízo, a mais deletéria.
Segundo o Dicionário Houaiss: a corrupção é o ato ou efeito de subornar uma ou mais pessoas em causa própria ou alheia, com o oferecimento de benefício. É lastimável que o combate à corrupção tenha sido alijado em troca de interesses não bem identificados. Era a pedra angular do sentimento que se formou no entorno da população. Corrupção se combate com decisão inflexível, com mudanças de costumes, com exemplos vindos do topo da pirâmide social e atitudes dos detentores do poder legal. Corrupção não se combate com fingimento, com mentiras, inação ou leniência.
Ela a observa no transporte público lotado e em péssimo estado, na carência de creches que assegurem às mães um local digno para seus filhos, na falta de remédio no Sistema Único de Saúde (SUS) por desvio de verba (aquele pixuleco) na licitação, na suposta tentativa de compras de vacinas com um plus para os negociadores, nos casos do petrolão, mensalão e rachadinha.
Miguel de Cervantes indicou um nobre caminho aos gestores: “...a senda da virtude é muito estreita, e o caminho do vício largo e espaçoso [...] porque o do vício, dilatado e espaçoso, acaba na morte, e o da virtude, apertado e íngreme, acaba em vida, e não em vida que tenha termo, mas na vida eterna”.
Seria magnífico que nossos políticos cobiçassem apenas a vida eterna. Infelizmente, não é o que nos acostumamos a ver. Para pôr-se em linha de batalha organizada contra tudo isso, é preciso encontrar um projeto honesto que vocalize uma proposta simplificada de comunicação e toque o coração da população.
Os já aboletados nas pontas da gangorra eleitoral se ajudam. Trabalham para desconstruir quem demonstre coragem para interferir na brincadeira egoísta do eu e tu. Na proposta do comunicar com simplicidade, uma das mensagens que costuma funcionar é identificar prontamente quem é o corrupto, quem é o decente. Quem vai correr se gritar pega ladrão, quem vai ficar, por nada dever.
Paz e bem!