OPINIÃO

Artigo: 'Morrer se preciso for. Matar, nunca' 

Por CESAR VICTOR DO ESPÍRITO SANTO — Engenheiro florestal

Assistindo pela televisão às tristes imagens de indígenas sendo atingidos pela polícia militar com bombas de gás lacrimogêneo quando protestavam contra a aprovação do PL 490, na Câmara dos Deputados, logo me veio à mente o lema de Rondon: “Morrer se preciso fo. Matar, nunca”. Rondon é considerado o “pai” do indigenismo brasileiro e destacado membro do Exército brasileiro por seus feitos, dentre os quais, a instalação de linhas telegráficas em parte da Amazônia e do Cerrado, além dos trabalhos junto aos indígenas, que seguia o lema acima.

Será que os militares do passado eram mais preparados e conscientes sobre a importância dos indígenas brasileiros e de seus territórios para o nosso país? Será que os militares da atualidade retrocederam, se apequenaram, não estão sendo bem preparados e bem informados?

É inaceitável assistir tamanha destruição da Amazônia e do Cerrado, com fortes efeitos nas mudanças climáticas, na perda de biodiversidade e na redução da disponibilidade de água potável que, em nível global, é o principal ativo natural que um país detém. O Brasil é um dos poucos países que ainda tem abundância deste recurso vital para a humanidade. Será difícil vislumbrar que num futuro próximo, quem tem natureza preservada estará em uma situação muito mais confortável, podendo exercer uma forte influência global? Será que é difícil aceitar que os povos indígenas são os povos originários desta terra e que a manutenção de seus territórios é crucial no esforço de preservação da natureza? Onde está o pensamento estratégico do Exército Brasileiro?

Ressalto o papel do Exército tendo em vista que as políticas ambiental e indígena do atual governo tem a participação direta das Forças Armadas. Além de inúmeros cargos ocupados por militares no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Fundação Nacional do Índio (Funai), coordenam o Conselho da Amazônia, responsável, entre outras coisas, pelo estabelecimento das políticas para a proteção e aproveitamento sustentável do bioma. Os resultados são os maiores índices de desmatamento e queimadas dos últimos anos, a invasão de territórios indígenas e de unidades de conservação pelas atividades garimpeira e madeireira, a poluição de rios, enfim uma situação calamitosa. E não se vê nada efetivo para reverter essa situação, pelo contrário, o que vemos são reduções acentuadas nos orçamentos anuais destas instituições, o empoderamento dos atores que acarretam a destruição da natureza, a aprovação de projetos de lei que vão na contramão do que deveria ser feito.

E aí ressalta-se alguns feitos de Rondon: em 1910, foi responsável pela criação do Serviço de Proteção ao Índio, entidade responsável pela demarcação de terras indígenas e que, em 1967, foi transformado na Fundação Nacional do Índio; em 1939 foi presidente do Conselho Nacional de Proteção ao Índio; em 1952 propôs a criação do Parque Indígena do Xingu; em 1953 inaugurou o Museu Nacional do Índio.

O papel dos militares em relação aos indígenas é complexo, em alguns momentos prejudiciais e em outros benéficos, como as ações do próprio Marechal Rondon, a criação da Funai, a criação do Estatuto do Índio em 1973, lei que se seguiu à Constituição de 1967 e garantiu aos índios a posse permanente e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais das terras que ocupam. Em relação ao meio ambiente, durante o regime ditatorial militar, foram criadas inúmeras unidades de conservação, sendo que apenas na Amazônia foram cerca de 10 milhões de hectares. Em 1972, seguindo a tendência mundial, após a realização da Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente, foi criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente. Antes, em 1965, foi sancionado o Código Florestal e, em 1967, foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Em 1981, foi criada a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente e o Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Percebe-se que os militares consideravam importantes as agendas indígena e ambiental. Agora, com os avanços da ciência e do conhecimento sobre a melhor forma de uso dos recursos naturais, de estarmos em uma democracia, que proporciona a participação dos povos indígenas e da sociedade civil na construção das políticas públicas, apesar da rápida e contínua destruição da Amazônia e do cerrado, os militares estão adotando políticas e posturas que estão acelerando este processo destrutivo, indo em sentido contrário ao que prevê a Constituição brasileira e as Convenções Internacionais, sobre a diversidade biológica, as mudanças climáticas e sobre povos indígenas e tribais.

O militar do passado era mais inteligente e patriota que o atual? Ou os militares “modernos” são os que estão com razão, com esta postura de facilitar a destruição e a entrega do nosso rico patrimônio ambiental e indígena? E o legado de Marechal Rondon, não serve de exemplo? Em função disso tudo e por ainda vivermos em uma democracia, é fundamental a sociedade ter uma participação ativa na definição do que queremos para o futuro. Nesse aspecto os povos indígenas devem, sim lutar pelos seus direitos e merecem ser respeitados pela sociedade brasileira. Não podem ser recebidos com bombas e sim com flores. Protegem boa parte do patrimônio natural do Brasil. Assim como Rondon, são heróis nacionais.