OPINIÃO

André Gustavo Stumpf: Lembrando Churchil

Correio Braziliense
postado em 20/07/2021 06:00 / atualizado em 20/07/2021 08:51
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

Por André Gustavo Stumpf — Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

Convenhamos que não é fácil ser Bolsonaro. O presidente, com seu método peculiar de enxergar o mundo, é raso no pensamento, superficial na compreensão dos fatos políticos de seu país, cuja história não conhece. Ignora as sutilezas do processo, não percebe exemplos de personagens marcantes na política brasileira. A soma dessas “qualidades” resulta no personagem que se comporta como se estivesse num botequim, tomando chope com amigos, território livre do debate irresponsável, onde cada um discursa sobre qualquer assunto sem assumir responsabilidade sobre as consequências.

No Brasil, há exemplos de governantes que entendiam ter a verdade sobre todas as coisas. Jânio Quadros renunciou em 1961 certo de que o povo haveria de clamar nas ruas pelo seu retorno à presidência. O povo não apareceu, e ele foi obrigado pelas circunstâncias a embarcar, em Santos, em navio cargueiro inglês para sofrer um longo exílio. O ex-presidente João Figueiredo também viveu seu inferno presidencial. Ele seguiu o roteiro traçado por seu antecessor, até que uma bomba explodiu no colo de um sargento no estacionamento do Riocentro. Ele não conseguiu punir os responsáveis pelo desastrado atentado. A partir daí, ensandeceu.

Terminou seus dias odiando jornais, jornalistas e políticos afirmando que foi traído até pelos seus companheiros de farda. Figueiredo sofreu muito na Presidência e depois dela. Morreu amargurado. Mas deixou a marca de sua profunda mágoa ao não entregar a faixa presidencial para seu sucessor, José Sarney. Saiu antes da festa começar por uma porta lateral do Palácio do Planalto. Naquela atitude simples, revelou seu desencanto com a política e com os políticos. Como acontece hoje, ele não tinha boas relações com seu vice, Aureliano Chaves, político mineiro, calmo, que trabalhava pela redemocratização em seu próprio ritmo.

Bolsonaro é um político que pode mais do que sabe, segundo a magistral síntese formulada por Ulysses Guimarães sobre quem devemos temer. Ele não mede as consequências de seu destampatório. É um presidente sem partido, portanto, sem correligionários, sem raízes e sem projeto para a Nação. Ele abandonou o PSL de maneira abrupta, irritou muita gente, deixou seu pessoal ao desabrigo e procura uma legenda para se candidatar à reeleição, coisa que prometeu não fazer. Mas para além da promessa não cumprida, o presidente encontra dificuldades para ser aceito nas legendas disponíveis, sinal claro de que sua situação eleitoral hoje é diferente da que usufruía dois anos atrás. As pesquisas de opinião indicam que, se fosse hoje a eleição, ele não chegaria ao segundo turno. Político trabalha para sobreviver. Seleciona parcerias com cautela e objetividade.

Eventual tentativa de impor algum tipo de governo forte no Brasil implica em ter anuência da indústria, do agronegócio, dos militares de alta patente e da grande imprensa. Além do governo norte-americano. Em 1964, todos esses segmentos estavam alinhados contra o presidente da época, João Goulart. Hoje não estão. Mesmo porque o maior investidor estrangeiro no Brasil é o dragão chinês. A conjuntura se modificou muito. Referências de cinco décadas atrás não se aplicam na realidade atual.

A possível reunião dos chefes dos Três Poderes, Judiciário, Legislativo e Executivo para riscar as linhas demarcatórias da ação de cada poder dentro dos parâmetros oferecidos pela Constituição de 1988 parece destinada a ser apenas mais um capítulo do desgaste do atual governo. Lembra a ilusão de Neville Chamberlain, primeiro-ministro inglês, que, em 1940, com a Inglaterra ameaçada pelo poderio nazista, tentou fazer a paz em separado com a Alemanha, por intermédio dos italianos, para evitar possível invasão germânica. Churchill disse não, não e não. Afirmou que ‘lutaremos, nos campos, nas cidades, nas ruas, mas nunca nos renderemos’. Esta pretendida reunião de Bolsonaro, se houver, apenas vai adiar o problema.

Churchill afirmou que se Hitler invadisse o inferno, faria acenos para o diabo. Coincidência ou não, a legenda do governo Bolsonaro “Brasil acima de tudo”, é a tradução do dístico da Alemanha nazista, Deutschland uber alles, Alemanha acima de tudo. A tentativa autoritária bateu na porta. As forças democráticas devem entender que a hora da negociação já se esgotou. É preciso combater o mal e não namorar o perigo. Chamberlain tentou evitar o conflito e se cobrir de glórias por negociar a paz. Alcançou a guerra e a desonra. Morreu meses após sua gestão pela paz resultar no mais violento conflito vivido pela humanidade.

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