Por LUIZ FERNANDO SCHEIBE — Geólogo, professor titular emérito e voluntário junto aos programas de pós-graduação em geografia e interdisciplinar em ciências humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É coordenador do Projeto Rede Guarani/Serra Geral em SC
Somos gratos à contribuição do carvão
para a economia, mas é tempo de olhar
o futuro eredirecionar políticas públicas,
investimentos e qualificações.
Santa Catarina tem todos os predicados para liderar a transição energética brasileira para uma economia de baixo carbono. Sua dinâmica industrial e agrícola, condições climáticas, técnicas e locais adequados e uma conjuntura mundial favorável lhe abrem uma oportunidade ímpar de definir seu futuro por meio da difusão, por todo o seu território, de fontes de energia renovável.
Com a atração de investimentos para a descarbonização da economia, o estado poderá inverter sua posição desconfortável dentre os maiores emissores de gases de efeito estufa do país para um dos protagonistas das fontes limpas. Além dos benefícios ambientais, essa transformação vai gerar maior arrecadação de impostos e mais empregos qualificados em todas as suas regiões.
É inegável que as termelétricas a carvão cumpriram um importante papel na superação de sucessivas crises no século 20, especialmente pelo aproveitamento do carvão vapor resultante da seleção da pequena parcela aproveitável (5%) nos altos fornos das siderúrgicas brasileiras. As usinas também foram importantes para garantir a geração energética em períodos de forte estiagem.
Hoje, porém, os Planos Decenais de Energia, publicados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), já vêm indicando o descomissionamento das térmicas a carvão a partir de 2026. Além disso, os subsídios da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), essenciais para a operação integral do Complexo Jorge Lacerda, têm data marcada para acabar: 2027.
As térmicas a carvão custam em torno de R$ 1 bilhão por ano para os consumidores de energia de todo o Brasil. Esses recursos ou parte deles seriam suficientes para desenvolver, em Santa Catarina, um programa robusto de transição energética visando a descarbonização, com participação de todos os setores envolvidos na atual geração energética, incluindo a qualificação para novas ocupações e a reinserção laboral dos trabalhadores de toda a cadeia da indústria carvoeira.
Mais, Santa Catarina tem vocação para assumir posição de destaque em energia renovável, especialmente graças à estrutura de transmissão e distribuição já existente. Mas, para isso, é preciso uma política estadual ousada, com um plano de transição energética justa e inclusiva, criação de fundo financeiro para essas ações, como qualificação profissional, reordenamento jurídico e apoio a prefeituras na condução de planos energéticos municipais de fomento às fontes renováveis e a seu promissor mercado. Isso leva tempo e custa dinheiro.
Mas é preciso começar imediatamente: é no presente que podemos construir um melhor futuro para todos os catarinenses, e não é racional esperar para agir depois que se esgotem todos os prazos. Nesse contexto, a providência mais viável é encaminhar o descomissionamento da Jorge Lacerda e canalizar parte dos atuais recursos da Conta de Desenvolvimento Energético do carvão para um Plano de Transição Energética Estadual. Havendo um indicativo do estado de que está de fato comprometido com o clima, há diversos fundos internacionais — inclusive com recursos a fundo perdido — interessados e disponíveis para apoiar essa agenda de descarbonização de Santa Catarina.
No alvorecer do século 20, a equipe técnica da Comissão de Estudos das Minas de Carvão, criada pelo governo brasileiro, identificou a potencialidade e, especialmente, os limites das jazidas nacionais. Mas não foi por isso que seu chefe, o geólogo Israel Charles White, tornou-se mundialmente conhecido — e sim por aproveitar a oportunidade da abertura da Estrada Nova do Rio do Rastro para descrever a sequência estratigráfica das rochas sedimentares de origem gondwânica — a Coluna White” —, pavimentando o caminho para a consagração, anos mais tarde, da revolucionária teoria da Tectônica de Placas.
Hoje, de certa forma, a história se repete e o setor carbonífero nos traz mais uma oportunidade revolucionária: a de uma transição justa e inclusiva pela descarbonização, para termos um século 21 aproveitando os recursos naturais que propiciem o “bem viver”, a qualidade de vida para todos, com mais saúde, emprego, educação e acesso a fontes energéticas menos poluentes.
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