Por MONICA HRUBY — Presidente da Associação dos Tradutores Juramentados do Rio de Janeiro e representante do Grupo Juramentados Unidos
Dois episódios recentes no Brasil lançam alerta sobre o perigo de traduções malfeitas em documentos ou textos em geral. Na CPI da Pandemia, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), apontou diversas irregularidades, que incluem erros de português e inglês e mistura dos dois idiomas na mesma página, nas negociações para a compra da vacina Covaxin. Antes disso, no mês passado, foi a vez de uma tradução equivocada de uma matéria da revista inglesa The Economist. A publicação destacou o colapso do Brasil no enfrentamento à covid-19 com o título: “É hora de ir embora”. A Secretaria de Comunicação da Presidência da República (SECOM) publicou no Twitter inúmeras críticas à reportagem a partir de uma tradução literal de um trecho, afirmando que “...a prioridade mais urgente é eliminá-lo” (referindo-se ao presidente Bolsonaro), quando a publicação original dizia que era preciso retirá-lo do poder por meio de voto.
Falhas de traduções e interpretações podem se tornar ainda mais comuns e representar risco às negociações internacionais, se for aprovada a Medida Provisória 1.040 de 2021, de autoria do deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP). A MP acaba com o concurso público para tradutores juramentados e libera para a função qualquer pessoa, inclusive estrangeiros, sem concurso por meio de um simples certificado de proficiência. Ocorre que a atividade de tradução juramentada demanda uma responsabilidade civil e penal do profissional tradutor. Para exercer a função, o profissional precisa ser aprovado em concurso nas Juntas Comerciais do País e é responsável legal pela tradução e pela guarda dos documentos traduzidos. Com as mudanças, o Brasil perde a segurança jurídica que garante a qualidade e a validade das traduções registradas.
A MP do jeito que passou na Câmara e foi enviada ao Senado retira a natureza documental pública da tradução juramentada, esvaziando a chamada fé pública de segundo grau dos tradutores juramentados. Isso significa que, atualmente, o tradutor juramentado emite as traduções juramentadas sem necessitar de validação. Pela estrutura da MP, as pessoas não concursadas poderão atuar como tradutores juramentados por simples certificado de proficiência. Ao traduzirem documentos — como contratos entre empresas, certidões, testamentos, diplomas, processos de cidadania estrangeira, entre outros –, precisarão de um controle de validação de seus trabalhos, isso sem mencionar a exatidão da própria tradução.
Na prática, teremos muito mais burocracia para validar documentos, com a necessidade de autenticação posterior, e situações como a da Covaxin podem se repetir em outros contratos e negociações internacionais. Imagine a complicação e o prejuízo que isso pode gerar para um país que necessita de crescimento nas exportações.
Além do risco de imprecisão, as traduções feitas no Brasil podem correr o risco de não serem aceitas em outros países. Atualmente, as traduções públicas permitem que os empresários e cidadãos possam usá-las no exterior, se munidas de Apostila de Haia (uma chancela internacional com 112 países signatários, entre eles o Brasil, o que facilita o trânsito dos documentos internacionalmente). Essa possibilidade fica comprometida com as novas regras, o que pode prejudicar todos os tipos de negociações, desde contratos de comércio, até a validação de diplomas e processos de cidadania e adoção internacional.
Outro problema associado à nova MP é que ela não prevê um valor mínimo de emolumentos para os serviços de tradução. Atualmente, essa prestação de serviços é regulamentada em todo Brasil pelas Juntas Comerciais. Em Brasília, por exemplo, o valor da lauda de tradução para textos comuns, como diplomas e documentos civis é de R$ 41. Sem uma regulação e com preços livres de mercado, pode haver cobranças abusiva.
Para reverter esse risco potencial, a expectativa é de que esse trecho da MP seja barrado no Senado e que as regras sejam mantidas e tradutores e intérpretes públicos continuem sendo brasileiros natos ou naturalizados, residentes no País, aprovados em concursos públicos e registrados nas Juntas Comerciais. Com isso, a validade dos documentos traduzidos continuaria assegurada.
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