Visão do Correio

Artigo: A queda de Salles

Suspeito de corrupção, obstrução de justiça, facilitação de contrabando de produtos florestais (madeiras extraídas ilegalmente da Amazônia), advocacia administrativa e liderar organização criminosa, o advogado Ricardo Salles renunciou, ontem, ao cargo de ministro do Meio Ambiente, pasta que comandou desde a posse do presidente Bolsonaro, em janeiro de 2019. O poder de Salles começou a ruir há pouco mais de dois meses, quando foi denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo então superintendente da Polícia Federal no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva. O ex-ministro tentou liberar toneladas de madeiras apreendidas durante a Operação Akuanduba.

A exoneração e a nomeação do sucessor de Salles foram publicadas em edição extraordinária do Diário Oficial da União. Em seu lugar, assume o fazendeiro e produtor de café Joaquim Álvaro Pereira Leite, até ontem, secretário da Amazônia e Serviços Ambientais, que chegou ao governo com o, agora, ex-ministro. Joaquim Leite, administrador de empresas, integrou, por mais de 20 anos, o conselho da Sociedade Rural Brasileira (SRB). A instituição manifestou apoio a Salles que, durante reunião ministerial em 22 de abril de 2020, propôs ao governo, aproveitar o momento — em que toda a atenção da imprensa estava voltada à pandemia — para “abrir as porteiras para a boiada passar”. Ou seja, era a hora adequada para flexibilizar normas ambientais, que passariam despercebidas.

Criticado por ambientalistas nacionais e estrangeiros, Salles foi rotulado de “antiministro”, devido ao desmonte que imprimiu no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) e no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ele também flexibilizou a punição a desmatadores da Amazônia, defendeu a redução das áreas de preservação ambiental, dos povos indígenas e das populações tradicionais. Foi barrado pelo STF quando tentou acabar com a proteção dos manguezais para favorecer especuladores imobiliários. No total, editou 524 medidas, das quais 207 são avaliadas como de alto risco para o patrimônio natural do país.

A saída de Salles, embora comemorada por ambientalistas, pode não implicar uma guinada na política ambiental do país. É lamentável que seja assim. Afinal, o Brasil liderou, por muitos anos, a agenda global. Destacou-se na construção do Acordo de Paris, voltado à redução das emissões de gases de efeito estufa, com a fixação de metas ousadas na comparação com outras nações. O país sediou duas conferências mundiais e vinha cumprindo o compromisso de reduzir o desmatamento nos nove estados que compõem a Amazônia Legal. Hoje, bate recordes a cada ano nos índices de devastação na região, como registra o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e não há políticas para conter os danos provocados pelos predadores da flora, fauna e, também, por garimpeiros, com foco nas terras indígenas.

O descaso e a indiferença do poder público com o patrimônio natural colocam o país em rota oposta à de países desenvolvidos, afasta investidores nacionais e estrangeiros, que apostam numa economia sustentável, essencial à preservação da vida no planeta. A queda de Salles seria uma oportunidade para mudança de rumos na política ambiental. É o que todo o mundo espera. Mas o governo não dá sinais de interesse em fechar a porteira. Será uma pena se o sucessor prosseguir com a política de passar a boiada.