O Brasil na fila da vacina

Esta semana, passei felizes três horas e 20 minutos na fila da minha primeira dose da vacina contra a covid-19. Pudera. Depois de um ano e meio de isolamento e ansiedade, foi um estranho prazer aguardar, abraçada com meu marido, enquanto a fila serpenteava ao redor do posto de saúde, debaixo daquele sol sem nuvens e de temperatura relativamente amena de junho brasiliense. Enquanto catávamos cada sombra pelo caminho, observamos uma amostra do Brasil na fila.
Vimos uma senhora que veio com a camiseta do pré-candidato a presidente, para gritar, no momento da agulhada, que foi, sim, genocídio a morte de mais de 500 mil brasileiros na pandemia. Outra senhora, bem atrás na fila, balançando madeixas meticulosamente escovadas, resmungou que ainda bem que a outra não falara na sua frente, porque defenderia o presidente dela — porém tomou a vacina calada.
Um pouco à nossa frente, um outro personagem prendeu nossa atenção. Enquanto aguardava, trocava mensagens e falava alto ao celular, espalhando todos os rumores que recebia para sua plateia cativa. Logo o apelidamos de “rádio fake news”. Especulou sobre a causa da fila (“incompetência e preguiça”), falou de política (“quero um líder gente boa, que não fale de política”) e disse, para quem quisesse ouvir, que só queria uma marca específica de imunizante. Pois é, agora surgiu no Brasil a figura do “sommelier” de vacinas.
Cada vez mais, encontro gente perguntando no WhatsApp onde encontrar o imunizante A ou B. Com exceção das grávidas, que têm orientação de tomar a proteção da Pfizer ou da CoronaVac, escolher marca de vacina é um absurdo. Estudos já comprovaram a eficácia e a segurança de todos os inoculantes contra a covid-19 disponíveis no Brasil. Em tempos de escassez de doses, esse tipo de atitude é, no mínimo, egoísta.
Pesquisa do sistema de saúde pública inglês, publicado semana passada, mostrou que as duas doses da AstraZeneca ou da Pfizer têm eficácia de 92% e de 95%, respectivamente, contra hospitalizações causadas pela variante Delta, cepa encontrada inicialmente na Índia. Nos dois casos, não foi registrada nenhuma morte por essa variante. São resultados excelentes.
Estudos em vários países encontraram diferentes taxas de efetividade para a CoronaVac, mas todos muito bons. Pesquisa do Instituto Butantan em Serrana, no interior paulista, onde quase toda a população adulta recebeu as duas doses, mostrou que o imunizante alcançou efetividade de 80% contra casos sintomáticos. Também preveniu as hospitalizações em 86% das incidências e a morte, em 95%.
Essas pesquisas atestam a eficácia de todos os imunizantes que temos aqui, agora. Neste momento crucial para extirpar a pandemia, não podemos nos dar ao luxo de escolher “grifes” de proteção. Precisamos avançar na imunização, única esperança para sairmos definitivamente desta crise e retomarmos nossas vidas.