As políticas de retrocessos são sentidas na perda de qualidade de vida de um povo. Quando os direitos conquistados pela sociedade vão sendo aniquilados pouco a pouco e atingem a cultura e a história de um país, não há dúvidas de que a brutalidade da mão do Estado se faz mais pesada. A recuperação dos danos pode levar muitas décadas. Alguns podem nunca mais ser resgatados.
O poeta romântico alemão Heinrich Heine, considerando todo o histórico da humanidade, afirmou, no século 19: “Onde queimam livros, acabam queimando seres humanos”. Foi justamente na Alemanha de Adolf Hitler onde ocorreu a queima de livros em 10 de maio de 1933. Grande fogueiras foram feitas com obras de intelectuais, cientistas, romancistas, poetas. Principalmente nos centros universitários. O argumento dos nazistas era a necessidade de “limpeza da literatura.”
Na segunda década do século 21, a cena se repete, guardadas às devidas proporções: as fogueiras ainda não foram acesas. Os valores civilizatórios, há muito, aboliram a censura ou vetaram quaisquer formas de cerceamento as expressões do pensamento. Preservam a história, com todos os erros e acertos, pois é inspiradora para a formulação de políticas construtivas.
Nesta semana, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, anunciou a revisão da biblioteca da fundação e a supressão de quase 5 mil obras, inclusive as do imortal Ruy Barbosa, o Águia de Haia, e do historiador Luís da Câmara Cascudo, entre outros autores renomados do país e do exterior. Na avaliação, com critérios sofismáveis, o comando da Palmares alega que tais obras estão em dissonância com a “temática negra” e a missão institucional do órgão.
O relatório que sustenta a decisão de Camargo foi elaborado por Marcos Frenette, coordenador-geral do Centro Nacional de Informação da Cultura Negra (Cnirc), nomeado pelo então secretário da Cultura Roberto Alvim, demitido do cargo após fazer apologia do nazismo.
A iniciativa, considerada descabida, indica que o comando da Palmares age para alinhar a instituição à ofensiva de extrema-direita que pauta as políticas públicas do governo. Com isso, compromete o acesso de negros e brancos a importantes obras literárias do acervo Fundação, entre outros prejuízos. Mas expressa, também, desrespeito a grandes autores nacionais, com relevantes contribuições à literatura e a outros segmentos da cultura nacional.
Logo depois do anúncio, o secretário de Cultura do Distrito Federal, Bartolomeu Rodrigues, solicitou a guarda das obras que serão defenestradas pela Palmares. Uma iniciativa merecedora de aplausos e indicativa de que a história e a literatura não podem ser “queimadas”, por motivos ideológicos ou por avaliações equivocadas. Hoje, são os livros. Amanhã, serão as pessoas?