Correio Braziliense há mais de dois séculos iniciou a luta libertária contra o autoritarismo português
Durante a colônia, antes do príncipe regente de Portugal, D. João, fugir de Napoleão, vindo para o Brasil, em janeiro de 1808, nada havia parecido que lembrasse aqui a instituição da imprensa tal qual a conhecemos. Mas a imprensa, além da Europa, já existia então como uma forma de comunicação social avançada nas Américas, espanhola e americana, nesta última com a Emenda nº 2 em pleno vigor.
Em junho de 1808, contudo, Hipólito da Costa, gaúcho, nascido em Sacramento (hoje, Uruguai), maçom e exilado em Londres, cria lá um mensário para combater o absolutismo português com as ideias liberais do iluminismo europeu. Chama-o de Correio Braziliense e o define editorialmente como empório literário. Para produzi-lo, precisava de 500 assinaturas pagas, e até dezembro de 1822, foi editado com rigorosa pontualidade. Interessante lembrar que, em 1813, Hipólito da Costa teve o gostinho de ver o príncipe encomendar outras 500 assinaturas para a corte portuguesa instalada no Rio de Janeiro.
De fato, o primitivo CB teve, sim, uma visão iluminista da política. Já na primeira edição do CB, em junho de 1808, ele definia: “O indivíduo que abraça o bem geral de uma sociedade vem a ser o membro mais distinto dela: as luzes que espalha tiram das trevas, ou da ilusão, aqueles que a ignorância lançou no labirinto da apatia, da inépcia ou do engano”.
E vai mais longe, dizendo que o acordo tão desejado de liberdade prática do indivíduo “não foi o efeito prático de uma só lei minutada teoricamente no gabinete de um político: foi, sim, o resultado de muitas leis sucessivas que a experiência sugeriu pouco a pouco, e que um direito consuetudinário consolidou nos espíritos dos povos e arraigou na nação ao ponto de fazer já parte do caráter nacional”.
Veja a postura liberal de Hipólito. Por exemplo, a doutrina da liberdade de imprensa é resgatada pelo professor e jornalista João Pedro Rosa Ferreira, em artigo de 2006, na revista Cultura (acessível on-line): “Para o Correio, a liberdade de imprensa, além de uma ética de alcance cívico e político, tem igualmente uma dimensão útil de valor econômico muito sensível”.
A defesa da liberdade de imprensa é o subtexto que permeia, segundo Rosa Ferreira, as 175 edições nos 14 anos da publicação. A ideologia liberal burguesa, apoiada em Milton, Hume e Adam Smith, prevalente na Londres do século 19, está, também, na raiz da luta contra a escravidão. Dá para conferir, lendo as próprias assertivas do fundador do CB: “... Estamos persuadidos, com Montesquieu, que a escravidão não pode ser útil nem ao escravo nem ao senhor... O nosso periódico está cheio de clamores contra tudo quanto é autoridade arbitrária; temos mil vezes argüido que os povos do Brasil têm o direito a gozar daquela liberdade racional que consiste em não estar sujeito senão às leis e não ao arbítrio dos que governam; etc. Ora, como pode um senhor no Brasil gozar desses benefícios, quando tem debaixo de seu poder um escravo, para quem olha quase com a mesma consideração como para seu cão ou seu cavalo?
Antes de morrer, em 1823, Hipólito da Costa deu uma última sugestão de redação para o artigo 45º da futura constituição brasileira: “Que não se impeça a faculdade de pensar ou de publicar os pensamentos por palavras ou por escrito, salvas as calúnias”. D. Pedro I não o ouviu, e mais ainda, dissolveu a assembleia constituinte e homologou uma carta magna que pudesse chamar de sua.
O pensamento político e literário de Hipólito da Costa foi resgatado quando da fundação da Academia Brasileira de Letras, que o nomeou patrono da cadeira nº 17, outorgada a Sílvio Romero; quando Chatô, em 1960, na inauguração de Brasília, ressuscitou o título Correio Braziliense (assim mesmo com z) e o incorporou aos Diários Associados para ser o jornal da nova capital brasileira; e, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1999, decretou a data de 1º de junho como sendo o Dia Nacional da Imprensa, lembrando que seu fundador foi um cultor da liberdade e um inimigo do autoritarismo e do racismo estruturais.