Onde está a honestidade é uma das centenas de obras primas da MPB. Composta em 1933 por Noel Rosa e Francisco Alves, seus versos transcritos abaixo trazem a ironia fina típica do compositor da Vila.
Você tem palacete reluzente
Tem joias e criados à vontade
Sem ter nenhuma herança ou parente
Só anda de automóvel na cidade...
E o povo já pergunta com maldade:
Onde está a honestidade?
Onde está a honestidade?
Passados quase 100 anos, o que vemos é que a corrupção continua sendo parte integrante de nossa cultura. Na segunda metade do século passado, até o golpe de 1964, a denúncia desse grave problema foi monopolizada pela União Democrática Nacional por meio de seu agressivo porta-voz, o jornalista e parlamentar Carlos Lacerda. O próprio golpe de 64 teve como um de seus principais pilares a luta contra a corrupção do governo João Goulart.
Durante os 21 anos de regime ditatorial, criou-se uma narrativa de que, com os militares no poder, a corrupção havia sido extirpada. Entretanto, apesar do silêncio e da censura imposta, são famosos os escândalos relacionados às construções da ponte Rio-Niterói e da Transamazônica, aos casos Coroa-Brastel e Delfin, só para ficarmos em alguns poucos exemplos.
No período iniciado em 1985, com a redemocratização, testemunhamos diversos eventos emblemáticos. Quem não se lembra dos anões do orçamento? E dos crimes de PC Farias que levaram ao impeachment de Collor? E dos casos Banestado e Sanguessugas na área da saúde? Ou ainda das operações Satiagraha e Castelo de Areia? Porém é indiscutível que o Mensalão e, em seguida, o Petrolão representaram um novo marco com a corrupção sendo institucionalizada pelo núcleo central do governo e utilizada como um poderoso instrumento de construção de seu projeto de poder.
Em contraposição a esses dois episódios, surgiu uma novidade representada pela Operação Lava-Jato. Iniciada em março de 2014 e ao longo de sete anos, levou à prisão e à condenação diversas figuras poderosas dos mundos político e empresarial. A grande cobertura da mídia aliada à repercussão nas redes sociais criou o cenário favorável para que a ampla maioria da população demonstrasse seu entusiasmado apoio. O que se via e ouvia eram comentários ressaltando que, finalmente, os criminosos corruptos estavam sendo pegos. Tal situação foi fator determinante no processo eleitoral de 2018, permitindo ao então candidato Bolsonaro surfar nessa onda, passando a imagem de que seria um presidente comprometido com o combate à corrupção, ainda que seu histórico como deputado federal por 28 anos não demonstrasse isso.
Estamos a 16 meses das eleições de 2022, e uma questão divide a opinião de analistas: o combate à corrupção continuará a ser um vetor preponderante na decisão do voto do eleitor? Quem acredita que não baseia seu ponto de vista no desgaste provocado pela série de reportagens feitas pelo The Intercept, utilizando material decorrente da ação de hackers, além do julgamento do STF que considerou Sergio Moro suspeito no julgamento do ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá. Entendo as razões, mas discordo dessa avaliação.
Pesquisas recentes trazem informações relevantes e complementares sobre o tema. O DataFolha de março aponta que 46% das pessoas aprovam a atuação de Moro e 67% acreditam que a corrupção vai aumentar nos próximos meses. Já o Ipespe de junho apresenta um índice de 46% na percepção sobre o crescimento da corrupção. O Ideia de fevereiro, na primeira pesquisa após o fim da força-tarefa, revela que 80% dizem apoiar a operação Lava-Jato. Na mesma pesquisa, 69% apontam que a ação dos políticos para barrar a operação foi a principal causa para seu fim. E o Instituto Travessia de abril aponta que a prioridade do próximo presidente, em ordem decrescente, deveria ser: Saúde (21%), Combate à Corrupção (20%), Geração de Emprego e Renda (20%). Por outro lado, em aparente contradição com os dados acima, no mês de outubro de 2020 pesquisa do DataFolha apontou que 44% em São Paulo e 50% no Rio votariam em candidatos investigados por corrupção.
Na minha leitura, trata-se do natural pragmatismo que norteia o comportamento do eleitor. Ao verificar que entre concorrentes naquele pleito não existe ninguém reconhecido como verdadeiramente comprometido com o combate à corrupção, acabam por utilizar outros critérios para sua decisão de voto. Assim, se em 2022 aparecer alguma candidatura em que essa característica fique claramente associada, tende a ser bastante competitiva. Afinal, o povo continua perguntando onde está a honestidade.
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