Opinião

Taxas, mineração e custeio do Estado

Os tributos são o preço que se paga pela civilização. Contudo, há tributos e tributos. Há os sutis, como os impostos sobre o consumo. Na compra do celular, paga-se sem perceber Imposto de Importação, IPI e ICMS. O consumidor pragueja contra o real desvalorizado — mas, raramente, se dá conta do custo fiscal embutido na aquisição. Em 1685, Christian Tetzel publicou o atualíssimo A mina de ouro dos impostos sobre o consumo. Um sucesso de vendas, guiado por outro sucesso, o da arrecadação.

Há tributos menos discretos. São os impostos que incidem sobre a renda e o patrimônio. Nestes, o pagante retira do próprio bolso para entregar ao erário. O trabalhador tem descontado o IR sobre seu salário. O proprietário da casa própria não escapa do IPTU, nem os inquilinos, se previsto em contrato.

Na categoria de tributos cobrados às claras estão, ainda, as taxas. Essas são pagas para se obter uma contrapartida direta do Estado: a fiscalização do restaurante que se pretende abrir e que necessita do alvará emitido pela vigilância sanitária; a coleta domiciliar do lixo, prestada pela municipalidade. As taxas pressupõem uma relação direta entre quem paga e o sobre-esforço estatal realizado em prol do contribuinte — seja para fiscalizá-lo (taxas de polícia administrativa), seja para servi-lo (taxas de serviço público).

A Revolução de 1817, que proclamou a breve República da Capitania de Pernambuco, teve como um de seus gatilhos a cobrança de taxas de iluminação pública. Os recifenses não suportaram o acinte de, vivendo em uma cidade às escuras, serem obrigados a pagar pela luz dos postes — não para si, mas para as ruas do Rio de Janeiro, onde viviam D. João VI e a Corte.

A forte urbanização do país, desde a segunda metade do século 20, trouxe para as cidades pessoas que, corretamente, exigem a implementação de seus direitos fundamentais: escola, saúde, segurança. Aliada a isso, a Constituição de 1988 reforçou o papel do Estado-protetor, impondo-lhe gastos exuberantes, embora justos.

Diante da dificuldade de aprovar leis majorando os impostos em geral, as atenções de alguns entes federados se voltaram para as taxas — em verdadeira reprise da criatividade arrecadatória da Corte de D. João VI. A única diferença é que, enquanto em 1817 os alvos da sanha arrecadatória foram os cidadãos de Recife — a cidade mais rica do Brasil na época —, hoje as atenções do Estado se voltam aos mineradores.

A recente alta das commodities, por si só, eleva a arrecadação tributária. A produção aumenta, os valores das vendas idem — e, consequentemente, são pagos mais impostos, sem mencionar os royalties minerários. Entretanto, como ensina a cobrança imposta aos recifenses há 200 anos, a cobiça interna não tem freios. Busca-se maximizar a tributação das empresas mineradoras, mesmo contra a legalidade. A atividade minerária é objeto de fiscalização federal, por meio da Agência Nacional de Mineração (ANM), a quem, por conseguinte, compete cobrar taxas para tanto. Mesmo assim, os estados decidiram criar taxas de fiscalização dessa mesma atividade — entrando em conflito com a ANM e impondo ao minerador a bitributação, vedada pela Constituição (bis in idem).

Não bastasse isso, cobra-se por meio dessas taxas muito mais do inexistente gasto para fiscalizar. Em certo estado da Federação, a propaganda do governo alardeia que o dinheiro da taxa minerária foi utilizado para construir escolas e postos de saúde. Ora, para isso servem os impostos — as taxas só podem remunerar o custo da fiscalização estatal, se essa for efetiva. Taxas são instrumentos para custeio da atividade específica e divisível do Estado dirigida ao contribuinte. Está na Constituição e no Código Tributário Nacional.

A América Latina convive com a mineração desde suas origens. A mina de Potosí, na Bolívia, entregou milhões de quilos de prata para a Espanha — que, a seu turno, gastou tudo, importando bens ingleses e holandeses e pagando juros aos banqueiros alemães e franceses. Potosí chegou a ser a segunda maior cidade do mundo no século 16, perdendo apenas para Paris. Hoje, passados 500 anos, possui menos habitantes do que centenas de cidades.

O exemplo histórico demonstra que a riqueza do subsolo é circunstancial. Para bem aproveitá-la, é preciso olhar para países democráticos que souberam estruturar um sistema tributário adequado às necessidades contemporâneas. A Noruega, dona de jazidas petrolíferas no Mar do Norte, criou um fundo soberano alimentado pelos royalties da extração do ouro negro. Passou à condição de país mais pobre da Europa ocidental, no início do século 20, para a de nação mais desenvolvida na atualidade.

Para onde vão os royalties da mineração? Onde está sendo gasto esse dinheiro? Para chegar à resposta correta, é preciso, antes de tudo, fazer as perguntas certas. Arrecadar, sim. Mas de acordo com as leis e com transparência. Esse é o caminho para o desenvolvimento a longo prazo, de uma democracia saudável!