Durante longo período, o meu saudoso amigo Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, o Sig, desenvolveu o saudável hábito de, a cada mês, tomar umas taças de bom vinho português em minha casa. Havia, também, queijo mineiro, pão italiano e outros acepipes. Minha mulher chegava do trabalho por volta das 10 da noite, vindo da redação, e cuidava dos velhotes com boa comida para encerrar a conversa política. Acontece que Sig era amigo muito próximo de Luiz Inácio Lula da Silva. As famílias se frequentavam. Certa feita, Lula, Sig e eu ficamos dando voltas de carro, no final do Lago Sul, ouvindo o então candidato falar sobre seus projetos de governo. Ao final, chegamos à casa de Sig, depois de mais de meia hora de conversa, onde os principais chefes do PMDB aguardavam Lula para discutir alianças, projetos e propostas. A atuação política discreta do advogado lhe rendeu dois convites, feitos por Lula, para que ele assumisse uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. Nas duas vezes, ele negou.
Sig sempre insistiu que as informações básicas utilizadas na operação Lava-Jato provinham de fontes norte-americanas. As agências de informações daquele país, principalmente a NSA (National Security Agency), foram descobertas realizando investigações sobre o governo Dilma, seu corpo de ministros e a Petrobras. A presidente tinha uma visita de Estado marcada para conversar longamente com o presidente Barack Obama. A visita teve seu status reduzido para uma conversa comum no salão oval da Casa Branca. No fim do encontro, a brasileira exigiu explicações do governo de Washington.
As explicações vieram numa forma simples, alguns papéis, informes pouco relevantes e o episódio foi ultrapassado. Mas a operação Lava-Jato recebeu as informações, reservadas, que permitiram avançar muito nas investigações. As revelações feitas pelo site Intercept auxiliam esta versão. Desmanchou-se o fantástico esquema de corrupção montado pela Odebrecht e outras grandes construtoras brasileiras no país e na América do Sul. O esquema alcançou a África e mudou até a maneira de agir dos bancos suíços. As investigações norte-americanas avançaram mesmo nos negócios realizados em euros, que era a condição exigida por boa parte dos integrantes desta turma. A Petrobras foi vandalizada.
Ninguém negou a roubalheira. O pessoal foi pego em flagrante. Assim também ocorreu no escândalo do futebol internacional. Os principais dirigentes do esporte mais popular do mundo foram atingidos pela investigação norte-americana. Uns foram presos em cela comum em Nova Iorque, outros fugiram desmoralizados e afastados para sempre do esporte. No Brasil, há ex-dirigente esportivo que não pode sair do país. Se ultrapassar a fronteira, será preso.
É o poder dos sistemas de informação do governo dos Estados Unidos. O país inteiro sabe que o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, estava aproveitando a oportunidade proporcionada pela covid-19. Os jornais se ocupam prioritariamente do assunto. Enquanto a pandemia assusta, ele providencia com atos de desregulamentação que facilitam, agilizam e incentivam o desmatamento na Amazônia. Satisfaz os grandes clientes internacionais. A madeira de melhor qualidade é vendida por preço baixo e, no destino, se transforma em objeto de grande valor. Mas, de novo, autoridades norte-americanas acabaram com a festa. A carga de madeira entregue no porto de Savannah, Georgia, foi apreendida por falta de documentação legal.
Toda a direção do Ibama foi afastada de suas funções e o ministro, acusado de várias infrações, com base nas investigações feitas pela Polícia Federal e auxílio de autoridades norte-americanas. A determinação foi do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O mal está feito. O ministro correu para conversar com o presidente Bolsonaro, na presença do ministro da Justiça. Depois, com assessor armado, foi à sede da PF pedir explicações. Errou. O processo está no Supremo Tribunal Federal, e o acesso às informações ali contidas deve ser solicitado ao ministro que autorizou a investigação.
As primeiras informações apontam no sentido de que Salles será mantido no cargo. Pode acontecer. Mas os europeus, em especial os franceses, decidiram não assinar o acordo com o Mercosul porque o ministro do Meio Ambiente é investigado pela Polícia Federal. Os norte-americanos perceberam que a pessoa ao lado do presidente brasileiro na cúpula realizada por Joe Biden é, na realidade, um incentivador do desmatamento da Amazônia. O futuro de Ricardo Salles vai definir o futuro do acordo com a União Europeia e do diálogo com o governo dos Estados Unidos. A decisão é do presidente brasileiro.