- PHILLIPE ORLIANGE
Diretor regional da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) - FRÉDÉRIQUE SEYLER
Representante do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD) no Brasil
O Senado francês inicia, neste mês, a discussão do projeto de lei “Desenvolvimento Solidário e Combate às Desigualdades Globais”, apresentado pelo ministro da Europa e dos Assuntos Exteriores, Jean-Yves Le Drian, e aprovado, por unanimidade, pela Assembleia Nacional. Esse projeto de lei é crucial, pois estabelece princípios que visam orientar a política da França em matéria de desenvolvimento internacional, além de definir as etapas que permitirão ao país alcançar, em 2025, o objetivo de destinar 0,7% de seu PIB à Assistência Oficial ao Desenvolvimento de países estrangeiros (AOD). Essa iniciativa também constitui, em plena pandemia da covid-19, um forte reconhecimento do caráter indispensável da cooperação internacional para o enfrentamento da crise.
O duplo objetivo de combater as desigualdades e proteger os bens públicos globais reflete, na política francesa para o desenvolvimento, o espírito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável adotados em 2015 pelos Estados membros das Nações Unidas. Esse debate não é teórico. A relação entre as questões sociais e ambientais é parte integrante do pacto social. E essa dinâmica diz respeito tanto às camadas mais pobres quanto à classe média, que tem aumentado mundialmente nos últimos 20 anos, principalmente nos países emergentes. Essa ascensão social é acompanhada por novas aspirações que, por sua vez, dão lugar a novos padrões de consumo e dinâmicas urbanas que podem acentuar as desigualdades.
O link existente entre os desafios sociais e ambientais também é ilustrado pela questão das vulnerabilidades e faz parte do escopo do trabalho da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e do Instituto francês de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), no Brasil. A Região Nordeste, por exemplo, que tem um dos níveis de desenvolvimento mais baixos do país, é caracterizada por um clima que a submete a fortes períodos de seca (cada vez mais frequentes nos últimos anos) e a inundações catastróficas em períodos de chuva, o que a torna altamente vulnerável. Os trabalhos do IRD e de seus parceiros mostraram que políticas públicas ligadas à questão da água no Nordeste não podem ser dissociadas de aspectos sociais e políticos.
As pesquisas que o IRD conduz, hoje, com a Universidade Regional do Cariri têm justamente o propósito de entender como os diferentes tipos de ocupação e uso do espaço, modos de vida e padrões de consumo se relacionam com a dinâmica do clima, a perda de solo por erosão hídrica e as mudanças da cobertura vegetal. As diferenças na exposição a riscos sanitários, como a malária, também estão sendo estudadas pelo IRD e a Fiocruz e mostram o papel do clima e das desigualdades sociais no agravamento desses riscos, principalmente nas regiões fronteiriças.
A crise da covid-19 acentua essas fragilidades e vulnerabilidades, tornando ainda mais evidente a necessidade de que sejam implementadas medidas que possam responder ao mesmo tempo aos desafios ligados às desigualdades, incluindo os que dizem respeito à classe média, e às questões relativas aos bens públicos globais, como as vacinas contra o novo coronavírus, por exemplo. O plano francês de recuperação econômica ilustra essa necessidade, que também fundamenta as ações de cooperação realizadas pela França, no Brasil, por meio da Agência Francesa de Desenvolvimento. E é esse mesmo espírito que orienta os financiamentos concedidos pela AFD a bancos regionais de desenvolvimento, como o BRDE e o BDMG, e privados, como o ABC e o BTG Pactual.
Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em colaboração com o IRD, mostra que os habitantes das favelas e os trabalhadores informais foram os mais afetados pela covid-19, e que o auxílio emergencial foi um importante aliado no combate à pobreza. Foi por isso que a França participou do financiamento do auxílio em 2020. O combate às desigualdades e a proteção dos bens públicos globais inspiram também o trabalho de cooperação desenvolvido no estado do Ceará, no município de Paragominas, no Pará, e em Curitiba, que enfrentam o desafio de conciliar desenvolvimento sustentável, gestão dos recursos naturais e coesão social.
A pandemia confirma, assim, tanto a pertinência de cada um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, quanto a importância dos objetivos traçados pela lei sobre o desenvolvimento, em discussão no parlamento francês. Proteger os bens públicos e combater as desigualdades globais são a melhor forma de seguirmos em frente sem deixar ninguém para trás.