OPINIÃO

Artigo: A verdadeira espiritualidade do Vesak

Por ADEMAR KYOTOSHI SHOJO SATO — Monge regente do Templo Shin-Budista de Brasília. Formado em economia e direito pela USP

Em Brasília, juntamente com as embaixadas de Índia, Sri Lanka, Nepal, Indonésia, Coreia do Sul, Mianmar, Tailândia, Vietnã, Malásia e Filipinas, países em que o budismo é religião predominante, se comemora desde 2013 o Vesak no Templo Shin-Budista. É o Dia Internacional do Buda instituído em 1999 pela Assembleia Geral das Nações Unidas em sua Resolução 54/115, pela contribuição espiritual do budismo à humanidade, sendo uma das religiões mais antigas do mundo, com mais de dois mil e quinhentos anos.

O Vesak oferece a todos nós a oportunidade de refletir sobre a relevância contínua dos ensinamentos do Senhor Buda, pois somos confrontados com os desafios sem precedentes no mundo atual. Em 2020, em decorrência da pandemia, não foi realizado. Neste ano, resolvemos comemorar o Vesak e transmitir os ensinamentos espirituais de Buda com o objetivo de aliviar a angústia e o sofrimento dos que sofrem pelas perdas e vítimas da covid-19. A sra. Seevali Wijewantha, representante da Embaixada de Sri Lanka, disse: “Independentemente da fé religiosa e dos países de onde viemos, acreditamos que o dia do Vesak oferece a todos nós uma oportunidade de refletir sobre a relevância contínua dos ensinamentos do Senhor Buda, pois todos nós somos confrontados com os desafios sem precedentes no mundo atual”.

No Brasil, foi a então presidente Dilma Rousseff que sancionou a Lei 12.623 aprovada pelo Congresso Nacional em 9 de maio de 2012, incluindo todo segundo domingo de maio como Dia do Buda no Calendário Oficial Brasileiro de Datas e Eventos. Data significativa por ser sempre o Dia das Mães, Buda está relacionado com a mãe de todos nós, a nos orientar com seu amor, sabedoria e compaixão. E para nos lembrar de Gaia, a Mãe-Natureza, tão cara ao mundo moderno de avanço tecnológico para nos livrar de práticas predatórias.

No Brasil especialmente, em que a Amazônia exuberante como o pulmão do mundo se vê ameaçada e as violências de selvageria contra as nações indígenas continuam. Esses atos de depredação não vêm propriamente da selva, mas da falta de civilidade, da turbulência urbana e da desigualdade social.
O inegável e irrefreável progresso da ciência e consequente avanço tecnológico não podem se voltar contra a natureza e contra a humanidade. Isto que a civilidade representa. Nem fomentar a turbulência urbana, mas sim instrumentalizar a sua organização assumindo que o mundo deixou de ser rural. E contribuir para estancar o crescimento da desigualdade social.

A desigualdade social parecia amenizada historicamente pela implantação da democracia que suplantara o regime de castas, de reinos e impérios, de senhores feudais e de terras. Mas volta a crescer sob a lógica do capital financeiro em suas várias configurações e confabulações, a ameaçar nações e estados que têm a obrigação de proteger legal e socialmente os seus cidadãos. É por isso que a espiritualidade inter-religiosa e civil não está fora de moda.

Recentemente comemorou-se a ressurreição de Jesus na Páscoa — amor, humildade e perdão —, o renascimento do Buda Shakyamuni no Festival de Flores — beleza, sabedoria e compaixão — e o nascimento do homem moderno no Dia do Trabalho — justiça, respeito e direitos humanos.

O Vesak é um dia especial para refletirmos os desafios sem precedentes no mundo atual em que a nossa felicidade está diretamente relacionada com a espiritualidade, solidariedade e civilidade. Quer seja no Myanmar — ex-Birmânia, de profundo enraizamento budista — em que ocorrem conflitos manus militari; com os civis, na Índia — rica em cultura e tradição como também em densidade populacional com quase 1 bilhão e meio de habitantes e que enfrenta uma crise sanitária sem precedentes com a retomada do surto da pandemia e no próprio Brasil, em que a nossa saúde precisa ser retomada após observarmos o negacionismo, o desequilíbrio dos interesses econômicos, de desigualdades crescentes e os interesses políticos de mera ganância do poder. Que a nossa alegria, paz e convivência pacífica sejam de fato as marcas legítimas e verdadeiras da brasilidade. Esse, país composto de gente e de cultura provenientes de todas as partes do mundo, merece. É a grande lição que a pandemia que aflige a todos e a todas está nos deixando.