Por Marcus F. Oliveira (Professor associado do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências - ABC) , Sérgio T. Ferreira (Professor titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ e membro titular da Academia Brasileira de Ciências - ABC), Stevens K. Rehen (Professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas UFRJ)
Carta aberta ao Excelentíssimo
Senhor Rodrigo Pacheco,
Presidente do Senado Federal
Senhor Presidente,
Desde março de 2020, o Brasil vive um dos momentos mais críticos da sua história. A pandemia de covid-19, que se espalhou de forma avassaladora pelo país, deixa um rastro de destruição que ecoará por décadas. A tragédia só não foi maior por conta das ações de políticos engajados na proteção da população, da sociedade civil por meio de um sem-número de ações solidárias e da ciência, como geradora de conhecimentos e soluções necessárias para mitigar as consequências nefastas da covid-19. Pela primeira vez na história, vacinas foram desenvolvidas e disponibilizadas em escala global apenas um ano após os primeiros casos da doença surgirem. Este feito notável só foi possível graças ao intenso trabalho de cientistas em todo o mundo, que produziram informações valiosas sobre esta nova doença. No Brasil, não foi diferente. Iniciativas locais permitiram, por exemplo, o sequenciamento do genoma do vírus causador da covid-19, a identificação de novas variantes virais e o desenvolvimento de tratamentos de imunização, incluindo soros hiperimunes, plasma de indivíduos convalescentes e vacinas, para citar apenas algumas.
Produzir conhecimento inovador, de fronteira, é uma atividade altamente dispendiosa em qualquer país. No Brasil, a pesquisa em Ciência e Tecnologia (C&T) tem sido financiada em sua grande maioria por investimentos públicos federais, notadamente pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Os recursos que compõem o FNDCT são oriundos de tributações de 16 setores da economia e que são administrados por intermédio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Apesar de toda a sua importância estratégica para o sistema nacional de C&T, o financiamento pelo FNDCT foi vítima de fortíssimas reduções e contingenciamentos nos últimos cinco anos.
Em dezembro de 2020, o Projeto de Lei Complementar nº 135/2020, que alterava a Lei Complementar nº 101 e a Lei nº 11.540, foi aprovado pelo Congresso Nacional, sendo posteriormente promulgado em Lei Complementar nº 177/2021 em 13 de Janeiro de 2021. Entre as alterações no FNDCT previstas na nova Lei, destacam-se aquelas que impedem a limitação de empenho dos créditos orçamentários programados, a execução da programação financeira relativa às fontes vinculadas e a alocação destas em reservas de contingência. Portanto, a Lei nº 177/2021 garante o financiamento do FNDCT e a manutenção da ciência brasileira.
No entanto, o texto aprovado no Congresso sofreu dois vetos do presidente da República que, na prática, permitem ao governo federal alocar os recursos do FNDCT em reserva de contingência. Graças à intensa mobilização e articulação da comunidade científica brasileira junto aos parlamentares, esses vetos foram derrubados por ampla maioria em sessão deliberativa do Congresso Nacional em 17 de março de 2021. Os 457 deputados e 72 Senadores que apoiaram a manutenção do financiamento do FNDCT demonstraram inequivocamente seu entendimento da importância da C&T nacional como a principal forma de superarmos uma das maiores crises sanitárias da nossa história e de possibilitarmos o desenvolvimento econômico e social que apenas a Ciência poderá trazer, de forma sustentada, ao nosso país.
Apesar da vitória, a promulgação da Lei nº 177/2021 só ocorreu em 26 de Março, um dia após a aprovação da Lei Orçamentária Anual para 2021 (nº 14.144), em 25 de março. Em consequência disso, na LOA de 2021 cerca de 90% do orçamento do FNDCT (R$ 5,1 bilhões) foram contingenciados. Consideramos essa situação incoerente e conflitante não apenas com o decidido apoio da Câmara e do Senado à derrubada dos vetos presidenciais, mas, também, com o próprio conteúdo da Lei nº 177/2021. Entendemos que o repasse integral dos recursos do FNDCT não apenas não viola o teto de gastos, mas, também, cumpre com o que está previsto na Lei nº 177/2021 aprovada por ampla maioria na Câmara e no Senado.
Considerando o quadro atual, vimos por meio desta solicitar a V. Exa. que interceda para a rápida promulgação da Lei nº 177/2021 antes da sanção do Orçamento de 2021. Com esta ação, o Orçamento de 2021 deverá ser adaptado para que garanta, em sua totalidade, a provisão de recursos do FNDCT, garantindo, assim, a sobrevivência da Ciência brasileira. Não podemos mais esperar, precisamos de uma ação enérgica e rápida de V. Exa., pois o país precisa, mais do que nunca, da ciência para superarmos os enormes desafios impostos hoje e futuramente pela pandemia. Sem a rápida liberação integral dos recursos do FNDCT, a ciência brasileira entrará em coma e, lentamente, toda sua capacidade de produzir conhecimento e soluções tão necessárias para a sociedade será permanentemente comprometida. Senhor presidente, salve a ciência brasileira da sepultura.