O Brasil é um país de símbolos. Muitos. Uma de suas marcas, daquelas que são imateriais, é o riso e a alegria de sua gente. É difícil dizer isto, mas reconheço: o Brasil está perdendo a graça. Porque perde vidas, enterrando seu futuro em covas coletivas; porque perde oportunidades incríveis de ser melhor e não desperdiça uma única chance de nos fazer infelizes; porque despreza a ciência e nega verdades. Hoje é Dia das Mães, e eu só queria, além do abraço dos meus filhos, ter a certeza de que eles viverão num país melhor do que aquele em que nasci. Nosso sonho de mãe está ficando distante.
Amo meu país, mas vê-lo entregue a um grupo que rege a sinfonia do atraso desbota suas cores, mancha a sua reputação, entre outras coisas ainda mais odiosas, é um desalento. Numa das semanas mais tristes que tivemos nos últimos tempos, eu me solidarizo às mães órfãs de filhos que morreram pelo descaso, pela ignorância, pela omissão, pelo racismo, pelo preconceito — um rol de causas mortis que deveria constar nos atestados de óbitos.
Dona Déa Lúcia, mãe de Paulo Gustavo, musa inspiradora de dona Hermínia, a personagem que encarna um Brasil diverso, engraçado e acolhedor, hoje não tem o filho nos braços. Ele, um artista encantador, vibrante, talentoso, amigo de tantos, solidário, transformou a sua mãe na mãe da diversidade brasileira. Fico imaginando quantas mães e quantos filhos assumiram a sexualidade inspirados numa personagem que tirou sarro de uma sociedade enrustida. Paulo não morreu de complicações da covid-19 simplesmente. O humorista fabuloso foi vítima de uma política pública desastrosa, para dizer o mínimo, no enfrentamento do novo coronavírus.
E se o negacionismo hoje mata aos montes, o que dizer do racismo estrutural que mata há tanto tempo e segue imperceptível para boa parte da sociedade? Jovens pretos são os que mais morrem; mulheres pretas são as que mais apanham, mais morrem e as que menos ganham. Penso nas mães dos assassinados na chacina de Jacarezinho, que encerrou nossa semana macabra, e em todas as mães de vítimas da violência, venha de onde vier, resultado da total ausência do Estado.
Enterrar um filho é daquelas missões que nenhum ser humano espera carregar pela vida. Seja um grande ator e personalidade pública, seja um menino preto de favela confundido com bandido. Costumo dizer que a vida é para os fortes. Hoje, eu diria que “ser mãe no Brasil é para as fortes”.