Em 2011, Muricy Ramalho, o melhor técnico brasileiro à época, recusou-se a dar nota máxima a Pep Guardiola. O catalão revolucionava o Barcelona com diversão, arte e títulos — como o bi da Champions League em 2009 e 2011. “O Guardiola, o Mourinho, são os melhores. Mas só darei nota 10 se trabalharem no Brasil e forem campeões”, desafiou.
Guardiola seria bem-vindo, mas não precisa trabalhar no nosso país. Da Europa, joga na cara da nossa sociedade a incapacidade dos treinadores brasileiros para extrair o máximo de jogadores como... Fernandinho.
O volante de 36 anos foi cancelado no Brasil. Vilanizado nas últimas duas eliminações na Copa, contra Alemanha (2014) e Bélgica (2018). Há três anos, Fernandinho, autor do gol do título da Seleção no Mundial Sub-20 de 2003 (lembram?), foi alvo de racismo. A família dele recebeu ameaças devido aos dois gols da Bélgica na derrota da Seleção por 2 x 1.
Fernandinho é o único culpado, ou Luiz Felipe Scolari (2014) e Tite (2018) não conseguiram fazê-lo atuar no limite da capacidade física, técnica e psicológica vestindo a amarelinha?
Com Guardiola, Fernandinho é um dos melhores volantes do mundo. Atua até de zagueiro. Focado, é dono da braçadeira de capitão do Manchester City. Sim, o vilão dos brasileiros é candidato a herói. Pode erguer a Orelhuda no próximo dia 29, em Istambul, se derrotar o Chelsea.
Qual técnico brasileiro deixaria Agüero, maior artilheiro da história do clube (258 gols), e Gabriel Jesus, terceiro goleador da temporada (13 gols), no banco para ter De Bruyne de falso 9? Aliás, sabe quem é o homem-gol da trupe? O volante alemão Ilkay Güdogan, com 16!
Que comandante da nossa escola evoluiria Riyad Mahrez ao patamar do compatriota Rabah Madjer? O maior craque da história da Argélia levou o Porto ao primeiro título europeu em 1987.
Algum técnico brasileiro escalaria Phil Foden, meia de 20 anos, como titular? Em 2017, ele foi eleito Bola de Ouro do Mundial Sub-17. Levou a Inglaterra ao título. É vice-artilheiro do City na temporada com 14 gols. Aqui, seria reserva sob alegação de que precisa ganhar experiência .
Guardiola não tem vergonha nem preguiça de adaptar conceitos, convicções, reinventar-se. A melhor posse de bola desta edição não é do City, mas do Bayern: 60%. Guardiola não é só tiki-taka. Passou a usar cobranças de faltas, escanteios, bolas aéreas e até lançamentos do goleiro Ederson como atalhos para o gol.
Sabe jogar sem a bola. No jogo de volta contra o PSG, fechou-se com seis à espera do contra-ataque e teve 44% de posse. Em Paris, foi mais agressivo (60%).
Camaleão, Guardiola não abre mão da ousadia. Tirou do fundo do baú o sistema tático WM, com três na zaga, dois volantes e cinco na frente. Encurrala adversários. Assim, ganhou a Copa da Liga Inglesa, pode ser campeão da Premier League, hoje, contra o Chelsea, e é favorito contra o mesmo Chelsea na final da Champions League. Uma mente brilhante.