Por LUÍS FARO RAMOS — Embaixador de Portugal no Brasil
Há dias na nossa carreira profissional que nunca esquecemos. Em 17 de outubro de 2019, eu estava em Paris, na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a assistir à proclamação do 5 de maio como o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Era então presidente do Instituto Camões, que tem como uma das suas principais funções a promoção da língua portuguesa, e aquele acontecimento foi um dos mais impactantes que vivi. Porque o que se decidia nesse dia era muito mais valioso do que um ato formal. Era uma porta que se abria, o reconhecimento do valor e do potencial da quinta língua mais falada no mundo.
Presto aqui tributo ao trabalho incansável do representante de Portugal junto à Unesco, o embaixador António Sampaio da Nóvoa, que mobilizou os seus colegas representantes dos restantes países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa para aquela causa comum, que hoje é uma realidade. A língua portuguesa é a única língua não oficial das Nações Unidas à qual é dedicado um dia mundial. E isso, esperamos, é um passo importante no sentido da nossa língua vir a ser, um dia, língua oficial das Nações Unidas.
Hoje, no Brasil, onde tenho a honra de servir como embaixador de Portugal, celebro com muito entusiasmo o Dia Mundial da Língua Portuguesa. A situação sanitária que se abateu sobre o planeta não permite celebrar como desejaríamos. Mas o dia veio para ficar, e melhores ocasiões teremos no futuro para celebrar, aqui como um pouco por todo o mundo, o dia da Língua de José Saramago, Fernando Pessoa, Lídia Jorge, Mia Couto, Nélida Piñon ou Clarice Lispector.
Ninguém como os poetas para expressar a beleza das coisas, para encontrar o sublime naquilo que, à primeira vista, é normal. Por isso, hoje, 5 de Maio de 2021, quando celebramos pela segunda vez o Dia Mundial da Língua Portuguesa, trago para este texto as palavras belíssimas pronunciadas pelo poeta português Manuel Alegre.
“Essa é a língua que anda pelos cinco continentes, língua de diferentes identidades e culturas, em que as vogais, como já tenho dito, não têm todas a mesma cor. E em que as consoantes, como se sabe, em Portugal assobiam, na África cantam e no Brasil dançam. Quando os poetas brasileiros chegaram à minha geração, tiraram a gravata aos poemas que então escrevíamos. Traziam outra frescura, uma linguagem menos convencional e mais despojada, “Uma faca só lâmina”, a “Rosa do povo” e também “As três mulheres do sabonete Araxá”. Começamos a lê-los e, às tantas, estávamos em mangas de camisa a caminho de Pasárgada. Era a mesma língua e era outra. Una e diferente.”
Como não nos maravilharmos perante uma língua, cuja riqueza está na sua pluralidade cuja força está na sua diversidade, cujo futuro está garantido entre as línguas mais faladas do Mundo, e que se fala em todos os continentes?
Ontem, na Europa, hoje, na América Latina, amanhã, na África: eis o horizonte da língua portuguesa a espraiar-se, como dizia o grande pensador Eduardo Lourenço, “pela mesma pele, queimada aqui e ali por sóis diferentes”. Desde a proclamação da Unesco, em 2019, o círculo de amigos da língua portuguesa vem se alargando. Para lá da ação verdadeiramente notável que as instituições responsáveis, designadamente em Portugal e no Brasil, vêm empreendendo na promoção da língua, cada vez mais países se interessam pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a ponto de, hoje, os observadores associados serem mais do dobro dos países membros daquela Comunidade.
Celebremos, pois, a língua portuguesa. “Sou poliglota dentro do nosso idioma”, disse Vinicius Terra esta semana, quando, ao lado de Dino D’Santiago e Sara Correia, apresentava o projeto “Meu bairro, minha língua”, a convite do Museu da Língua Portuguesa. Que melhor exemplo da riqueza e diversidade da língua que somos?
Uma língua inclusiva, viva. Viva a língua portuguesa!