OPINIÃO

Artigo: Proteção ou penalização das mulheres?

Por JOSÉ PASTORE — Professor da FEA-USP e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP. É membro da Academia Paulista de Letras

No meio desta pavorosa pandemia, quando grande parte das empresas não tem receita nem para pagar luz, água e impostos, o Senado Federal aprovou Projeto de Lei (PLC 130/2011) que obriga os empregadores a pagar uma multa de até cinco vezes o valor da diferença entre o salário do homem e o da mulher na mesma função se assim for determinado pela Justiça do Trabalho. O projeto está na Câmara dos Deputados onde se cogita passar esse poder aos auditores fiscais.

De fato, os salários das mulheres, em média, são 23% mais baixos do que os dos homens. Mas, quando se analisa separadamente o mercado formal e o informal — onde as mulheres trabalham como diaristas, faxineiras, empregadas domésticas, cuidadoras etc. com salários baixos —, a diferença cai para 17%. Quando se faz o cálculo em salário-hora, a diferença é reduzida a 10%. Como atribuir isso à discriminação?

Diferenças de remuneração decorrem de experiência na profissão e na função, senioridade, especialização, responsabilidade, desempenho pessoal, complexidade do local de trabalho, domínio de tecnologias digitais e outros fatores. Isso requer estudos acurados. A remuneração das médicas americanas, por exemplo, é 29% menor do que a dos médicos na mesma função. Mas, depois de controlar os fatores indicados, cai para 4,6%. Se a lei for aprovada no Brasil, será extremamente difícil para os magistrados ou auditores fiscais separar esses fatores para identificar eventual discriminação.
“Função” também tem muitas nuances. Por exemplo, os gerentes de uma grande agência bancária têm exigências de conhecimento que não são necessárias para um gerente de um pequeno posto de atendimento bancário dentro de uma empresa. A função é a mesma e, muitas vezes, a gerente da grande agência é mulher.

Uma faculdade que ofereça diferentes cursos de graduação pode entender não justificar equiparação de funções e de salário entre um professor de matemática e outro de educação física, bem como entre um professor de direito processual civil e outro de direito tributário e constitucional. É um assunto controvertido. O próprio Tribunal Superior do Trabalho vê a necessidade de equiparação salarial no primeiro caso, mas não no segundo. Isso demonstra a complexidade da matéria e a subjetividade no tratamento às situações do dia a dia, o que pode gerar multas estratosféricas para as quais as provas judiciais são impraticáveis.

No caso de uma gerente que ganhe, por exemplo, R$ 4 mil mensais e para a qual o auditor fiscal ou juiz fixe o percentual de 30% referente à alegada diferença de remuneração ao longo de cinco anos de trabalho na empresa, o valor da multa chegará a cerca de R$ 520.000, incluindo os encargos sociais. Se a funcionária tiver 20 anos na empresa, a multa ultrapassará os R$ 2 milhões, mais a correção dos débitos trabalhistas.

Pelo fato de a multa poder ser aplicada a um período passado, as empresas enfrentarão situações de grave insegurança, pois não fizeram provimentos para uma sanção que inexistia na época da contratação das suas funcionárias. Ademais, uma lei desse tipo criará enormes dificuldades para as mulheres. Os empregadores terão medo de contratá-las, o que as transformará em funcionárias de alto risco. Trata-se de uma tentativa de proteção que, no fundo, as desprotege.

Este não é o momento de tratar de assunto tão complexo e de maneira açodada. Melhor seria discutir o tema, com calma, depois da pandemia e buscando soluções em medidas afirmativas como as previstas no artigo 7º, inciso XX da Constituição Federal: “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos”, e não com base em punições. Assim é feito nos países avançados como Reino Unido, França, Espanha e outros.