Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br
Difícil é convencer alguém de bom senso, que conhece de perto a realidade política interna da China, que o governo daquele país, em suas relações com outras nações, seria capaz de dar tratamento pacífico e complacente a pessoas de outras nacionalidades, que, eventualmente, viessem a se opor às diretrizes políticas impostas por esse regime fechado e de partido único (PCC).
Mesmo assim, nações pelo mundo afora, principalmente a partir da aurora do século 21, começaram a comercializar com aquele país do extremo Oriente, colocando de lado ou mesmo desprezando o fato de ser aquele governo um antípoda das concepções clássicas de democracia e, por extensão, dos direitos humanos e, no caso das relações comerciais, um inimigo da livre concorrência e da liberdade do mercado (Laissez faire) e do liberalismo.
Conhecendo os muitos relatos que falam de detenções em massa, torturas, mortes, abusos policiais e outros crimes contra a humanidade, praticados pelo regime ditatorial chinês, fica claro que as relações da China com o mundo são montadas sob um disfarce, como uma cópia oriental de Jano, o deus romano de duas ou mais caras a concentrar na mesma figura o passado e o futuro, que dá por uma mão e toma pela outra.
Seria possível haver relações comerciais livres, saudáveis e com base nos princípios da ética humana com alguém que despreza ou ignoraria esses valores? Essa é uma questão, que sabemos, pouco interessa no mundo dos lucros e das vantagens.
Entre nós, existem apenas dois elementos capazes de se espalharem com a mesma velocidade da atual pandemia da covid-19: as notícias ruins e as fakes news. O mais interessante é que, em algum ponto do espaço e do tempo, ambos os elementos se cruzam, gerando o que muitos conhecem por teoria da conspiração. Após o advento das redes sociais, as comunicações instantâneas e, sobretudo, do conteúdo factual dessas informações que passaram a chegar aos indivíduos e à sociedade, em grandes e aceleradas avalanches, deram origem a um fenômeno intrigante e, ao mesmo tempo, problemático que passou a afetar, de modo significativo, o comportamento de todos. Com isso, passou a ser comum que versões e fantasias cheguem ao conhecimento de todos muito antes dos fatos em si. O que, de certa forma, reforça a tese histórica de que o homem é um contador de histórias por natureza. A grande questão aqui é como separar o que é realidade e fantasia, já que as duas parecem ter a mesma origem.
Os antigos costumavam dizer que, quanto mais longe da fonte, mais a água está turva. Assim também ocorre com fatos. Essa característica vem lá de trás, da origem da humanidade, quando, na impossibilidade de entender o mundo à sua volta, os homens buscavam na fantasia e no misticismo as explicações sobrenaturais para os fenômenos da natureza. Essa herança trouxemos até os dias atuais, adaptando-a ao mundo virtual da internet.
De um país sem liberdade e de quem vive em um país livre que defende uma nação sem liberdade, tudo se pode esperar.
Para a imprensa, que até pouco tempo detinha o monopólio natural da informação, isto é, as notícias, essa mudança de eixo e de mãos tem modificado, sobremaneira, o trabalho diário, obrigando os profissionais a separarem com lupa fatos e ficções. Não é por outro motivo que muitos órgãos de informações tiveram que criar um departamento especializado em checar minuciosamente as notícias, separando os grãos de areia dos fatos do oceano de boatos.
Nessa nova tarefa imposta pela aldeia global, ao trabalho da imprensa surgiram outros desafios, desta vez realizados no sentido contrário da lógica de investigação e apuração jornalísticas, fazendo o caminho inverso, ou seja, partindo dos boatos e dos sinais de fumaça para se chegar aos fatos e à verdade escondida em meio a paisagem.
É justamente com relação a esse ponto que, por exemplo, parte da imprensa nacional e internacional tem deixado de lado os efeitos da recente e perigosa pandemia do vírus da coroa, seguindo atrás dos boatos e das teses defendidas pelos teóricos da conspiração, na tentativa de chegar às fontes e às causas que determinaram o surgimento dessa doença.
Para os seguidores dessas teorias fantásticas, em um mundo cada vez mais surrealista, tudo teve início com a chamada guerra comercial declarada pelos Estados Unidos contra os superavits seguidos que vinham sendo obtidos pela China ao longo das últimas décadas e que passaram a ser combatidos pela atual administração do país.
Essa história é longa e com vários capítulos paralelos e que vão ganhando versões mais atualizadas a cada dia. O que parece real é que, por detrás desse vírus, se escondem fatos e verdades que, mais dia, menos dias, chegarão ao conhecimento de todos, levando-nos a conhecer até onde governos são capazes de ir para fazer valer questões de mercado, laboratórios, políticas e de ganhos sobre a vida de pessoas, tornadas nesse jogo cruel meros dados estatísticos e sem valor e sem qualquer respeito pela dignidade humana.