Na semana em que a CPI da Covid criada pelo Senado iniciou as investigações sobre ações e omissões de governantes na pandemia, o Brasil ultrapassou a marca de mais de 400 mil mortes pelo novo coronavírus. Em números absolutos de óbitos por covid-19, o país só fica atrás dos Estados Unidos, onde a doença já matou mais de 570 mil pessoas. E, na contagem proporcional, por milhão de habitantes, está entre as 12 nações onde a doença mais tirou a vida de cidadãos. Não bastasse a situação assustadoramente macabra, o Brasil vive outro drama: o de não poder acelerar o processo de imunização por escassez de vacinas. A CPI quer identificar e responsabilizar culpados pela monumental tragédia.
Alvo preferencial da comissão parlamentar de inquérito, o Palácio do Planalto é minoria no grupo. E, desde a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinando a instalação do colegiado, as reações de Bolsonaro e aliados se resumem a bombardear a CPI, buscar deslocar o foco principal das apurações para governadores e prefeitos e, sobretudo, tentar de todas as formas afastar Renan Calheiros da relatoria ou mesmo excluí-lo do grupo.
Na mais recente investida contra Renan, a tropa bolsonarista entrou com ação no Supremo, pedindo que o senador alagoano fosse excluído da CPI. Alegava que, por ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho, um dos possíveis alvos da comissão, o relator não teria isenção para investigar e julgar o filho. Mais uma vez, acabou derrotado. No STF, o ministro Ricardo Lewandowski rejeitou o pedido.
Enquanto a caravana de aliados de Bolsonaro faz de tudo para retardar as investigações, integrantes da CPI têm conseguido romper as tentativas de obstrução e seguir em frente. Motivos para os senadores apertarem o cerco ao Planalto não faltam. Por incrível que pareça, o próprio governo se encarrega de apontar seus pontos mais vulneráveis. Como o documento produzido pelo Ministério da Casa Civil, um verdadeiro mapa da mina, listando 23 possíveis erros cometidos pelo Planalto no enfrentamento à pandemia.
Os tiros no próprio pé se repetem dentro da CPI da Covid. Além de estar em menor número na comissão, o exército bolsonarista atua de forma tão atabalhoada que, na quinta-feira, chegou ao cúmulo de submeter à aprovação do colegiado requerimentos com registro digital indicando que teriam sido produzidos em computadores da Secretaria de Governo, localizada no Palácio do Planalto. O clima esquentou e houve bate-boca entre Renan e governistas.
Resultado: a sessão se encerrou com outra derrota do governo: foram aprovadas as convocações do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e dos antecessores Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello. Eles serão ouvidos na condição de testemunhas. Mandetta e Teich abrem a fila de depoimentos na terça-feira. No dia seguinte, a comissão ouve Pazuello, um dos principais motivos de preocupação do Planalto. As investigações estão apenas começando. É imperativo que a CPI não perca o foco. O Brasil não quer politicagem. Quer saber se ações e omissões de agentes públicos contribuíram para agravar a tragédia que já ceifou mais de 400 mil vidas no país. E se cometeram crimes, que sejam punidos. É esse o ponto que interessa.