Desde o início da pandemia da covid-19, há grande discussão quanto à responsabilidade dos gestores públicos no que diz respeito à administração da crise sanitária sem precedentes que, sem dúvida, gera imensos desafios, especialmente aos chefes dos poderes executivo em todas as esferas (federal, estadual e municipal), razão pela qual o Supremo Tribunal Federal, logo no início da pandemia, foi chamado a se manifestar quanto à competência de cada um para gerir a crise sanitária, tendo decidido que todas as esferas de poder seriam responsáveis quanto à adoção de medidas administrativas e normativas para a gestão da crise.
Passado mais de um ano do início da pandemia da covid-19, após muitos embates políticos, especialmente no que diz respeito à inércia do governo federal em providenciar a vacina para a população brasileira, o Senado Federal entendeu por instaurar a CPI da Covid no fim de abril. Coube ao senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, designar os membros que compõem a Comissão Parlamentar de Inquérito, tendo ele designado 18 integrantes, todos homens, para tratar de tema tão relevante que, segundo demonstram as pesquisas, têm afetado muito mais as mulheres, em razão da carga de cuidado que a elas é atribuída, pelo trabalho doméstico acumulado ao home office, bem como em razão da violência doméstica, que aumentou consideravelmente, tendo em vista que as vítimas tiveram que ficar isoladas em casa com seus agressores.
A ausência de mulheres na CPI da Covid-19 demonstra uma das faces da Violência Política de Gênero não física, simbólica, que consiste na exclusão das mulheres dos espaços de poder, decisão e fala, tornando-as invisíveis. O fato demonstra que, mesmo as parlamentares que conseguiram transpor as diversas barreiras na corrida eleitoral, tendo sido democraticamente eleitas para representar seus estados, continuam a sofrer Violência Política de Gênero no exercício de seus cargos e mandatos, por seus próprios pares.
Para ter o direito à voz, somente em março de 2021, com a aprovação da Resolução 06/2021 do Senado, com a previsão expressa de indicação de líder e vice-líder da bancada feminina, é que foi garantida às mulheres as prerrogativas de “inclusive quanto à preferência para o uso da palavra e o direito a voto” e “de apresentação de destaques na tramitação dos projetos”.
Porém, mesmo com a prerrogativa expressa no Regimento Interno da Casa, as parlamentares têm enfrentado grande resistência por parte de seus pares, fato que tem sido diariamente repercutido pelas redes sociais e por parte da imprensa, especialmente após uma das primeiras reuniões da CPI em que as Parlamentares presentes foram questionadas e a líder da bancada feminina, senadora Simone Tebet precisou contestar de forma veemente o que os parlamentares da base governista chamavam de “privilégio” quanto à concessão da palavra à bancada feminina, o que, conforme dito, trata-se de prerrogativa.
Em recente entrevista concedida à BBC News Brasil, a senadora relata diversas situações pelas quais já passou, destacando que “na política, precisou mudar seu comportamento (“aprender a falar mais alto — porque a mulher tem que falar mais alto para ser ouvida, infelizmente, até hoje —, saber bater na mesa, saber enfrentar de igual pra igual”)”, como se deixarem suas qualidades femininas e aprender a se comportar como homem fosse algo naturalizado e representasse o custo por alcançar um cargo político.
Impedir que as parlamentares ocupem vagas na CPI da Covid constitui violência política de gênero. É preciso desnaturalizar a violência política de gênero, especialmente a não física, que busca excluir, invisibilizar, anular o exercício dos mandatos pelas parlamentares devidamente eleitas, para que a política deixe de ser um espaço hostil, pois esse não é, ou ao menos não deveria ser, o preço a se pagar para o exercício pleno de seus direitos políticos. Aqui, fazemos coro à campanha promovida pelo NDI (National Democratic Institute) para dizer claramente #NotTheCost.
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