Por BENITO SALOMÃO — Economista do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
A resposta anunciada pelo presidente americano à crise da covid-19 repercutiu no Brasil. Ao todo, serão desembolsados pelo Tesouro dos Estados Unidos (EUA) alguns trilhões de dólares para fomentar setores emergentes intensivos em tecnologia de fronteira, ambientalmente sustentáveis e de alta produtividade. Para financiar o ambicioso programa, o presidente Biden pretende elevar impostos corporativos e a progressividade da carga tributária americana, isto é, setores econômicos de baixa produtividade e famílias com maior capacidade de pagamento devem contribuir mais com o plano econômico do democrata e financiar indiretamente a emergência da nova economia. Ainda assim, medalhões da academia norte-americana, como Lawrence Summers, criticam o programa, cuja escala é inédita e apresenta riscos de sobreaquecimento da economia do país, cujo efeito colateral mais visível a curto prazo é a inflação.
Voltemos nossos olhos ao Brasil. Aqui, o Bid Economics, como é chamado o plano, é celebrado por setores mais simpáticos ao dirigismo estatal e crentes na expansão do gasto público como um vetor do desenvolvimento. O Plano Biden tem muitos elementos que podem ser aproveitados, sim, pela economia brasileira. A noção de incentivar uma economia de baixo carbono, o desenvolvimento científico de fronteira e a recuperação da infraestrutura são gargalos históricos deste lado dos trópicos. Da mesma forma, o Brasil é uma espécie de paraíso de milionários, que são subtributados quando comparados relativamente com as classes médias e as camadas mais humildes da população.
O Plano Biden ainda terá chances de mostrar a que veio. Ficaremos atentos, sempre há uma certa defasagem entre o lançamento de um plano promissor e suas consequências na prática. O prêmio Nobel de economia James Buchanan, em livro publicado com Richard Wagner, em 1977, apontou as consequências de longo prazo de deficits públicos sobre a economia americana. A primeira consequência é a expansão do tamanho do governo como proporção da renda nacional. Para os autores, o acúmulo consecutivo de deficits fiscais levaria, no longo prazo, a um crescimento do setor público acima do setor privado. Mas essa é a menor das consequências, deficits públicos precisam ser considerados à luz de suas fontes de financiamento que são basicamente três:
Tributos — no modelo macroeconômico tradicional —, o gasto público atua estimulando a demanda agregada e o crescimento econômico, os impostos, por outro lado, atuam desestimulando. Em ensaio publicado em 2019, este autor chamou a atenção para a utilização de instrumentos tributários e de gastos públicos adequados para que os efeitos multiplicadores de uma expansão das despesas se sobrepusessem aos efeitos dos tributos. Em outras palavras, é pouco produtivo para a economia criar deficits que serão financiados por impostos distorcivos e recessivos para financiar despesas de custeio com baixo efeito multiplicador sobre a atividade.
Dívida — até muito recentemente —, se acreditava que a absorção de deficits públicos via dívida pública não apresentava maiores custos macroeconômicos. Em 2010, no entanto, ensaios dos prestigiados economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff estimaram que dívidas soberanas superiores a 90% do PIB exercem efeitos prejudiciais sobre o crescimento econômico. Ademais, Robert Barro, em 1974, apresentou o conceito de equivalência Ricardiana, em linhas gerais, o autor argumentava que a contração de deficits fiscais no presente levaria a uma elevação a posteriori da carga tributária. Ou seja, gasta-se hoje para tributar amanhã.
Finalmente, inflação, que é a consequência macroeconômica mais severa de desequilíbrios macroeconômicos causados por deficits públicos. Phillip Cagan chegou a comparar os efeitos da inflação semelhantes aos efeitos de um imposto indireto, que reduz a renda disponível dos consumidores.
Mas, voltando a Buchanan e Wagner, a principal disfunção causada por um deficit público é o desequilíbrio causado nas democracias, em que eleitores preferem mais bens e serviços públicos e menos impostos, políticos têm o incentivo de atender tais demandas visando à permanência no poder. Dado que os deficits apresentam benefícios no presente e custos no futuro, é viável para políticos ampliarem as despesas, deixando o ônus do ajuste para o sucessor, o que causa um viés nas democracias e é um incentivo ao populismo. No Brasil, regras fiscais foram pensadas para precaver tais atitudes; devemos preservá-las.
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