OPINIÃO

Artigo — Saúde suplementar: a busca pela redução do desperdício

Correio Braziliense
postado em 14/05/2021 06:00

Por Amanda Bassan Alves (Diretora técnica da Unidas-SP. É administradora, pós-graduada em gestão de saúde e coordenadora suplente na Comissão de Modelos de Remuneração e Gestão de Rede pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde - Unidas)

Júlio César de Souza (Administrador, especialista em gestão empresarial da saúde, mestre em administração de serviços de saúde, coordenador na Comissão de Modelos de Remuneração e
Gestão de Rede pela Unidas)

É notório, na saúde suplementar, que o grande desafio do setor é o alinhamento de interesses entre os players. Enquanto, nos demais setores, o aumento do investimento significa reforço na qualidade do produto ou serviço final, na saúde, isso não ocorre. A utilização indiscriminada de recursos enseja desperdícios, não garante o melhor desfecho clínico e ameaça a sustentabilidade do setor.

O atual modelo de remuneração, fee-for-service, que incentiva a produtividade, precisa ser repensado por todos da cadeia, de forma que os interesses estejam alinhados em apenas um propósito: entrega de valor para a saúde do paciente. A mudança no modelo de remuneração é iminente para que não se remunere o erro, a falta de pertinência e sobreposição na indicação de exames e procedimentos, as fraudes e abusos que ainda acontecem, apesar das auditorias contratadas por operadoras de plano de saúde.

Uma publicação do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), divulgada em 2018, aponta que, em 2017, quase R$ 28 bilhões dos gastos das operadoras médico-hospitalares do país com contas hospitalares e exames foram consumidos indevidamente por fraudes e desperdícios em procedimentos desnecessários. Não precisamos ir muito longe para entender o motivo desse movimento em negociações de modelos de remuneração alternativos ao fee-for-service. Pensemos em algumas situações de remuneração, como em um serviço de reforma de imóvel.

Na primeira, remunera-se a cada serviço prestado e pelos materiais utilizados durante a obra. Na segunda, o pagamento será por hora ou dia trabalhado para executar o serviço, independentemente de como é realizado e dos materiais utilizados. E, na terceira, em que se paga um valor “X”, para um resultado “Y”, todos pré-acordados. Qual obra sairá mais barata? Qual será mais rápida? Qual terá o melhor resultado pelo menor custo? É notório que todos esses fatores são intrínsecos ao modelo de remuneração adotado.

Tal raciocínio não pode ser utilizado na área de saúde, pois é muito mais complexa e existem diversas imprevisibilidades inerentes ao ser humano. Contudo, permite-nos desenvolver modelos que remunerem por resultados e não por produtividade. Diante desse cenário, entendendo que antes de evoluirmos para modelos mais complexos seria necessário estruturarmos melhor o modelo atual. Para isso, desenvolvemos um guia prático para que as autogestões possam replicar o estudo em suas instituições e negociarem com sua rede credenciada, fomentando essa mudança com implantação de modelos de remuneração alternativos, que não somente esteja atrelado ao financiamento da saúde e, sim, à sustentabilidade do setor, e, acima de tudo, à qualidade dos atendimentos prestados aos seus beneficiários.

O início dessa mudança requer uma grande interação, transparência e aproximação entre operadoras e hospitais no primeiro momento, considerando concentrar cerca de 60% dos valores pagos, conforme publicado na última pesquisa Unidas, de forma que haja uma construção conjunta de uma nova estrutura de pagamento, compartilhando parcialmente os riscos e resultados, que deverão ser mensurados por indicadores. Em meio a todo esse movimento, o profissional de saúde é incentivado a buscar aperfeiçoamento. Por sua vez, as indústrias farmacêuticas e de insumos são incitadas a atestar a qualidade de seus produtos, fazendo parte das garantias e incentivos proporcionados por remuneração baseada em valor.

Esse caminho está sendo construído para que haja o reconhecimento da importância e da parte que cabe a cada player em obter o melhor valor em saúde, que é a relação entre o desfecho clínico e seus custos, segundo Michael Porter e E. Teisberg (Repensando a saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. Porto Alegre. Bookman, 2007). Essa delimitação e até mesmo integração entre os níveis de atenção à saúde também é inerente à nova dinâmica do mercado, que, apesar de complexa, é necessária e urgente, ao considerarmos a velocidade da chegada de novas tecnologias e o envelhecimento da população.

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