Educação profissional e desenvolvimento

Correio Braziliense
postado em 10/05/2021 06:00

 » WILSON CONCIANI
Ex-reitor do Instituto Federal de Brasília (IFB) e membro do Conselho de Educação do DF

Enquanto reitor, conduzi muitas audiências públicas para criação de cursos nas diferentes regiões administrativas do Distrito Federal. Dois fatos me chamaram a atenção. O primeiro é que sempre ouvi os mesmos pedidos “queremos informática, administração e enfermagem”. Nem sempre nessa ordem. Somente depois de longos debates e discussão de dados socioeconômicos, chegávamos aos cursos hoje em funcionamento. O segundo fato é que, frequentemente, me diziam “precisamos de escolas técnicas para tirar os jovens da rua”.

Curiosamente, em 1808, D. João VI implanta a primeira escola técnica do Brasil: a “escola de formação de carpinteiros navais” para prover a armada e reduzir a “vadiagem”, que na sua visão existia na antiga capital federal. Na mesma linha, em 1909, o presidente Nilo Peçanha criou as “escolas de aprendizes e artífices” (hoje Institutos Federais) para ocupar os desvalidos da sorte. Portanto, a visão nacional da educação profissional como terapia e ação social permanece viva. Essa visão tem uma parte importante: a educação é um bem essencial à sociedade e tem o potencial de mudar vidas. Apesar disso, a educação per si não supera as desigualdades do país.

É preciso olhar a educação profissional como solução para os problemas tecnológicos e de desenvolvimento do país. Isso é, a educação profissional tem que formar profissionais para resolver os problemas da sociedade: produzir e reparar veículos, instalar e fazer funcionar redes de comunicação; construir com técnicas menos poluentes, produzir alimentos de forma mais saudável e segura, etc. Esstes são os desafios do Brasil a serem respondidos pela educação profissional.

Nos tempos de Internet das Coisas e Indústria 4.0, importa ter uma sólida base cultural e científica, para dar suporte às transformações tecnológicas que se esperam para os próximos anos. A base tecnológica vem da educação profissional. Essa base tecnológica, construída de forma integrada com ciência e cultura, leva à inovação. Essa inovação tem mantido os empregos e a renda nos países europeus.

A história recente do Brasil mostra duas situações distintas. Na primeira os cursos técnicos integrados ao nível médio de ensino são a exceção de qualidade da educação no Brasil nos índices do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes mantido pela OCDE). Esses índices colocam os cursos técnicos integrados ao nível médio dos Institutos federais entre os melhores do mundo. No segundo caso, a integração do ensino médio com a educação profissional de forma compulsória (como aconteceu nos anos 1970) se mostrou desastrosa. Essa última situação foi gerada pela lei 5692/1971 que obrigava a educação profissional mas não oferecia as condições técnicas e financeiras para a sua implantação.

A propalada reforma do ensino médio abre caminho para uma mudança importante. Passa a ser possível ter uma formação científica e cultural mais sólida e alternativamente ampliar a oferta de educação profissional. Nesta jornada de mudanças, cumpre olhar para trás e corrigir alguns rumos: não limitar a oferta de educação científica de qualidade a algumas poucas escolas públicas ou privadas; não limitar a oferta de cursos técnicos aos famosos cursos dos eixos de gestão e negócios e informática, que são de baixo custo, mas não cobrem a demanda por profissionais e soluções tecnológicas. Essa reparação reduzirá as distâncias sociais hoje existentes entre os que passaram por uma boa escola e os demais. Essa reparação também permitirá ao Brasil ter os profissionais de que precisa para manter o seu desenvolvimento.

As escolas têm agora a missão de olhar para a sociedade, ver quais são as suas verdadeiras demandas e potencialidades para (re)pensar a sua oferta de cursos. A oferta de cursos desacoplada da realidade do mundo do trabalho frustra vidas, limita o crescimento do país e desacredita uma solução que o mundo todo adota: educação profissional como suporte para a inovação e o desenvolvimento.

A Austrália tem como segunda pauta de exportação a educação profissional e como primeira o turismo. Para chegar a essa situação, foram constituídos comitês de empresários, técnicos e docentes que discutem a oferta de cursos e o perfil de profissional demandado. Seria um bom exemplo a seguir. Turismo tem baixo impacto no meio ambiente, e educação só constrói soluções.

Neste sentido, pensando na escassez de recursos e na imensidão das demandas, a oferta de cursos técnicos deve vir casada com as cadeias produtivas locais, evitando sempre a oferta duplicada de cursos em diferentes redes e sistemas educacionais. Cabe aqui o desafio de se criar um fórum de políticas educacionais que reúna empresários, técnicos e educadores para discutir de que cursos precisamos. Não um fórum burocrático e legalizado, regido por regras limitantes e composto por representações escassas, mas um fórum livre e com voz para quem, de fato, está na busca de soluções.

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