Por NELSON MISSIAS DE MORAIS — Desembargador, ex-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)
O agravamento das consequências da pandemia no Brasil, incluindo Minas Gerais, nas últimas semanas, deixou evidente para nossa população a indispensabilidade de contarmos com gestores públicos comprometidos, em primeiro lugar, com os interesses e as necessidades da população, para muito além de eventuais compromissos ideológicos ou de protagonismo.
Já não há dúvidas de que os escabrosos resultados de agora — mais de 380 mil mortes em todo o país e aproximando-se da imoral cifra de meio milhão — seriam mitigados significativamente, se não tivessem ocorrido tantos e tão graves erros de condução desde o início da pandemia. É certo que a pandemia da covid 19 surpreendeu a todos em seu início, incluindo a ciência, e houve momentos de perplexidade e de indefinições. Mas, passado esse primeiro impacto, logo foi possível delinear que o caminho a seguir era a indicação científica e a meta exclusiva deveria ser a de preservar vidas.
Lembro-me de que estava à frente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em março de 2020, e também sofremos com a perplexidade e a indefinição iniciais. Mas, logo nos reunimos com a equipe de direção, ouvimos nossos profissionais da área de saúde e optamos pelo caminho que nos pareceu adequado, mesmo nos submetendo a críticas e desconfianças: suspender as atividades presenciais no limite do possível, de modo a preservar vidas.
Resumi meu pensamento e sentimento a respeito ao participar de uma aula virtual com a Monja Cohen, lembrando Fernando Pessoa: “A atitude intelectual digna de uma pessoa superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la”. A aula foi proferida para jovens magistrados, já em plena pandemia, e, na ocasião, exortei os novos juízes a “exercer nossa jurisdição com sensibilidade e compaixão”.
Sensibilidade e compaixão. Foram as senhas que nos guiaram e nos induziram a tomar decisões seguindo a ciência, priorizando a vida e ignorando eventuais discordâncias de ordem ideológica ou de qualquer outra ordem.
Gestores erram, é claro; gestores públicos talvez estejam sujeitos a erros maiores e mais frequentes, pela diversidade das pressões a que estão permanentemente submetidos, quer as de ordem política, quer as de natureza econômica ou de qualquer outra origem. Tais erros — se é que se podem ser chamados assim — são inteiramente assimiláveis, ainda que nem sempre desculpáveis.
O que não se pode admitir no gestor público, todavia, é o direcionamento equivocado de decisões, por força de compromissos ideológicos mal disfarçados ou pela ânsia de um protagonismo midiático, ainda que efêmero, tão em voga na era das redes sociais.
Longe de mim pretender ser paradigma de comportamento ou tutelar gestões, mas a angústia que temos vivido em nossos lares com a sucessão de notícias desoladoras de mortes de familiares e amigos me levou a tornar públicas tais reflexões. Meu desejo é que elas não sejam vistas como mero desabafo, mas como alerta de alguém que tem responsabilidades públicas e está inconformado com tantas perdas humanas em tão pouco tempo, sabendo que muitas delas poderiam ter sido evitadas.
A pandemia não está no fim, embora comecem a surgir indicadores de melhora ou, pelo menos, de estabilidade e, portanto, é tempo ainda para que nossos gestores públicos, em todos os níveis e poderes, se compenetrem sempre mais da missão que lhes cabe, que é a de preservar vidas. Nessa hora, sensibilidade e compaixão dizem muito mais do que ideologia e protagonismo.