Que os tempos atuais são difíceis e sombrios sabemos todos. Assim caminha a humanidade nos dias de hoje. Que nos encontramos, nós, passageiros da nau Brasil 21, completamente à deriva, sem rumo e colhidos pelo vórtice da pior crise da nossa história, isso também é claro. Que este nosso navio, desgovernado, isto é, sem governo, caminha aceleradamente para a catástrofe já podemos, à vista dos prognósticos dos cientistas, intuir plenamente. O que ainda não conseguimos compreender é como chegamos até aqui. Podemos apontar sete razões para a desgraça do Navio Brasil atual.
Primeiro, escolhemos um capitão que não sabe pilotar. Um capitão que nunca pilotara sequer um barquinho de papel na banheira de casa. Um capitão que jamais quis aprender a pilotar e que, mais do que isso, passou a vida inteira a xingar os pilotos. Escolhemos o mais inepto de todos os marujos para comandante do barco. E ele, mesmo sem saber, insiste em que só ele pode pilotar.
Segundo, escolhemos um capitão que nega a tempestade. Para ele, trata-se apenas de uma “chuvinha” que vai provocar apenas algumas poças que, aliás, rapidamente secarão. Para o capitão, a própria tempestade é uma invenção dos maus marujos e daqueles passageiros contaminados por ideias erradas propagadas pelos canalhas arautos do pânico, todos eles interessados apenas em afundar o navio apenas para culpar o seu comandante.
Terceiro, escolhemos um capitão cujo único objetivo é antes destruir tudo o que os anteriores capitães fizeram. O capitão está imbuído de duas missões heroicas. A primeira, interna, é livrar o navio dos maus: os “comuno-larápios”, dos que protegem as florestas e os indígenas, as mulheres, os LGBTQI+; dos que defendem a ciência, a cultura, as religiões de matriz africana e dos que deram voz aos pobres. Basta armar os bons e eliminar os maus que tudo voltará a funcionar.
Quarto, escolhemos um capitão que coloca a culpa pelas sacudidas do navio nos monstros marinhos, que só ele e seus marujos conseguem enxergar. Esta, aliás, é a segunda missão heroica do capitão, a externa. Se o navio está à deriva, se está fazendo água por todos os lados, se falta direção, se está a ponto de afundar, o capitão aponta como responsáveis pelo caos os monstros do globalismo, do comunismo, do ateísmo, da ideologia de gênero e do feminismo.
Quinto, escolhemos um capitão que, insensível a qualquer sentimento ou sofrimento humanos, profetiza a morte dos seus próprios passageiros como normal ou, pior, inevitável. “Na travessia do oceano, muitos de vocês morrerão. E não há nada a fazer” — diz o capitão. Assim, nada será feito. Marujos e passageiros morrerão às pencas enquanto o capitão joga xadrez na sua suíte e, num tom de gárgula, admoesta seus passageiros para enfrentarem essa morte certa “sem frescura”.
Sexto, escolhemos um capitão que, diante da maior tempestade de todos os tempos, ao invés de proteger seus passageiros no porão, atira-os ao convés, obrigando-os a trabalhar, aglomerando-os por toda parte, expondo-os à intempérie, fazendo-os flertar com a morte. E com tudo isso, diz o capitão: nada temam, estou com vocês! Defendo seu direito de estar aí!
Sétimo, escolhemos um capitão que, para se salvar, prefere afundar o navio com todos os passageiros. O navio afunda na miséria, na fome, na violência, na doença e na morte, mas o capitão sai ileso, cada vez mais petulante e, estranhamente, mais próspero. A miséria e a desesperança grassam entre os passageiros, mas o capitão, isolado na torre de comando, parece viver em outro mundo.
Em meio à tempestade, o navio Brasil 21 singra os mares desgovernado, aos trancos e barrancos, a passos largos para a catástrofe. O rochedo já está à vista de todos. O choque será frontal. O desespero e a prostração tomam conta da tripulação e dos passageiros enquanto a tormenta ameaça engolir o navio. Porém, o capitão segue com a mão no leme. Está protegido pela fatal escolha dos passageiros, mesmo que eles tenham se arrependido. Um punhado de marujos barulhentos clama pelo suicídio coletivo. O destino está traçado. Nada vai mudar. Muitos perecerão. Que venha então o apocalipse, diz o capitão, que assim seremos imunes enquanto rebanho.
Apocalipse, porém, não significa destruição ou fim catastrófico; significa “revelação”. E a verdade está aí, às nossas vistas. Enquanto o capitão suicida estiver à frente da nau, não haverá esperança. Singramos inexoravelmente para o fim, prisioneiros das nossas más escolhas.