Foi uma grata surpresa o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula Climática virtual, no fim da semana passada. Com tom sóbrio e ideias alinhadas às necessidades reais, o chefe de Estado brasileiro evitou as falas grotescas e conflituosas que tanto o caracterizam e acenou de forma positiva aos apelos da comunidade internacional, que aparentemente compreendeu a urgência de um esforço global para salvar o planeta de uma catástrofe há tempos anunciada. Ressalta-se, no entanto, que a iniciativa não será apenas um gesto de inteligência e amor pela vida, mas, também, um excelente negócio — especialmente para alguns.
Porém, como estamos cansados de saber, uma coisa é a retórica política e outra, bem diferente, em boa parte das vezes, as ações concretas. Apenas um dia após a fala quase irreconhecível de um conciliador e lúcido Bolsonaro, o Orçamento da União estabeleceu cortes sensíveis para a área de proteção ambiental (e também para a educação). Dá para fazer mais com menos? Depende... Mas a sinalização deste governo até agora é extremamente preocupante em relação a uma agenda sustentável e, dificilmente, o país e o mundo verão alguma novidade além de discursos mais elaborados. Espero, sinceramente, estar completamente equivocado quanto a esta avaliação e torço para que os gestores do Brasil (e do mundo) façam a coisa certa.
Mas, enquanto os “donos do planeta” exercem os poderes que lhes foram delegados, o que resta aos cidadãos comuns na condição de moradores da mesma Terra? Macroestratégias para a reformulação da economia global são bem-vindas, como em relação a uma matriz energética limpa e não poluente — caso dos sistemas fotovoltaicos e eólicos —, mas o dia a dia da média da população carece de mais ações positivas para a construção de um ambiente sustentável. Em um país que ainda preserva relativa liberdade de iniciativa, como o Brasil, seria louvável que as pessoas arregaçassem as mangas e investissem na necessária transformação que reforçaria a segurança alimentar, reduziria os impactos ambientais de atividades produtivas e contribuiria para a restauração de biomas, favorecendo o equilíbrio climático.
Reorganizar ou mesmo refundar boa parte das cidades brasileiras é uma necessidade urgente. O modelo de ocupação do território predominante no país arrasta as comunidades urbanas para um inevitável colapso — é questão de tempo. Com rios e outras fontes hídricas poluídas, saneamento precário e uma crescente demanda por energia, a urbe agoniza rumo a uma tragédia anunciada, com doses diárias de violência, desemprego e depressão. Uma alternativa sensata seria reorientar o uso do solo para o modelo de ecovilas.
Este é um conceito consagrado que vem sendo praticado por inúmeros grupos país afora, com excelentes resultados. Utilizando moradias bioconstruídas, saneamento local associado ao cultivo de pomares, valorização das áreas verdes, redução da necessidade de transporte, gestão racional dos resíduos sólidos e dos recursos hídricos, entre outras práticas, comunidades independentes de orientação governamental trilham um caminho de autonomia, conforto e segurança em harmonia com as lei naturais. No momento em que este tipo de modelo se tornar política pública, em qualquer das esferas — municipal, estadual ou federal —, a qualidade de vida da população daria um salto significativo e a crise climática reverteria o atual curso. Mas, para além da orientação das autoridades constituídas, a livre iniciativa, desde que atenta e consciente, poderia prestar uma bela contribuição à vida no planeta.