OPINIÃO

Visto, lido e ouvido — Juristocracia danifica a democracia

Desde 1960 Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br

Criada pelo cientista político canadense Ran Hirschl e apresentada em seu livro Towards Juristocracy, a expressão juristocracia nunca esteve tão em voga no Brasil como nos dias atuais. Por juristocracia entende-se como sendo um sistema de governo, note bem, não democrático, posto que as decisões de Estado, que normalmente ficam no âmbito do Poder Executivo, acabam ficando a cargo exclusivo de juízes, desembargadores e magistrados. Há uma hipertrofia do Poder Judiciário em relação às demais instituições da República. Em nosso caso particular, as decisões de grande relevância para o funcionamento de toda a máquina do Estado estão hoje, em grande parte, concentradas nas mãos dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mais especificamente nas duas turmas criadas pela Corte.

Para tanto, muitos especialistas nesse tema apontam que esse comando do Estado vai sendo processado por meio de mecanismos judiciais casuísticos, obrigando a sociedade, bem como todas as instituições, a uma visão de governo subjetiva, nascida unicamente da cabeça de juízes, que, por sua vez, agem em nome de determinados grupos políticos e ideológicos, normalmente aqueles que, em alguma ocasião, indicaram seus nomes para esse posto.

Em suma, é exatamente ao que temos assistido nos últimos tempos sempre que uma ou mais questões de importância imediata para o Estado democrático de direito e para a nação ficam em suspenso até que suas excelências, do alto do Olimpo, emitam o tão celeste parecer. É, em última análise, a repetição, em forma de farsa, do que acontecia na Grécia clássica, quando decisões importantes eram tomadas depois de uma consulta aos Oráculos de Delfos e as pitonisas.

É por esse perigoso arremedo de democracia que vamos adentrando desde que a Constituição de 1988, confeccionada nessa parte apenas por juristas, transformou o STF na mais poderosa corte do Ocidente, não apenas em termos institucionais que lhes são próprias, mas outorgou a essa instância poderes concentrados tanto em temas constitucionais quanto em questões revisionais.

A essa soma descomunal de atribuições permitiram ainda que a Suprema Corte se tornasse, diante do espanto geral, em instância penal. Dessa forma, o que os cidadãos têm assistido, entre abismados e revoltados, é ao Supremo insistir em confeccionar leis, reformando-as ao seu alvitre, julgá-las e, ao mesmo tempo, condenar ou absolver, de acordo com a ciclotimia dos humores de cada um desses juízes.

Para complicar uma situação que, em si, tem acarretado grandes transtornos ao país, muitos desses ministros sequer são juízes de carreira ou apresentam, como manda a Magna Carta, notável saber jurídico.