Por RUY ALTENFELDER — Curador dos Prêmios Fundação Bunge e presidente do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea– Fiesp)
Na última década, o mundo observou a reincidência de doenças até então erradicadas por campanhas de vacinação em massa, apoiadas por políticas públicas de saúde. O surto de gripe aviária, em 2005, que infectou pessoas no Vietnã, na Tailândia, na Indonésia e no Camboja; o recente ressurgimento de ebola na República Democrática do Congo, que havia sido cessado em novembro de 2020, e a volta da febre amarela no Brasil.
Todas essas ocorrências, consideradas doenças infecciosas emergentes e reemergentes, nos mostram a necessidade de termos mais atenção ao tema, especialmente num período pandêmico, em que os sistemas de saúde estão sobrecarregados. Diversos fatores devem ser considerados para o aumento da incidência dessas patologias nas populações: o surgimento ou identificação de novos problemas de saúde, novos agentes infecciosos, a mudança no comportamento epidemiológico de doenças já conhecidas, além da disseminação de desinformação de movimentos antivacina.
No Brasil, grande parte das condições que favorecem a emergência e reemergência das doenças infecciosas e parasitárias está relacionada a fatores sociais, políticos, demográficos, econômicos e ambientais. Ou seja, é urgente que se discuta os desafios colocados à saúde pública, bem como o reforço e a revalorização da vigilância epidemiológica. Em paralelo, em tempos como o que estamos vivendo, são as desigualdades sociais as primeiras a serem explicitadas em âmbito global quanto ao maior risco de exposição a doenças e menores condições de acesso a tratamentos.
Olhando para trás, as grandes epidemias e surtos enfrentados e superados globalmente transformaram as sociedades. Considerando as condições precárias do sistema de saúde e política sanitarista da época, culminou na convulsão da população numa manifestação que ficou historicamente conhecida como a Revolta da Vacina. Historiadores argumentam que não foi apenas a obrigatoriedade da vacina que motivou os protestos, mas, sim, uma entre várias medidas que visavam disciplinar a população mais pobre, erradicando-a das áreas centrais.
Como desdobramento, a lei foi modificada, e a utilização da vacina tornou-se opcional, mas a forma como o Brasil passou a lidar com a saúde pública e sua comunicação voltada para a conscientização da população nunca mais foram as mesmas. A utilização de vasto material informativo, como cartazes, folhetos e manuais; a adesão de celebridades às campanhas em TV e rádio; a criação dos Dias Nacionais de Vacinação e do personagem Zé Gotinha foram novas formas encontradas pelo país de promover a vacinação e erradicar as doenças infecciosas da época.
Hoje, grandes e notórios passos foram dados no que diz respeito à pesquisa brasileira. Estamos entre os 15 maiores produtores de ciência do mundo e, nas áreas relacionadas às doenças infecciosas, somos um dos primeiros. O mineiro Vital Brazil, que fundou o aclamado Instituto Butantan (São Paulo), que este ano comemorou 120 anos, liderou o combate a diversas doenças, como febre amarela, cólera, varíola e peste bubônica. Foi pioneiro nas pesquisas e na produção de soros específicos contra veneno de animais peçonhentos.
Referência em pesquisa biomédica, o instituto é o principal produtor de imunobiológicos no Brasil, além ser o responsável por grande porcentagem da produção de soros hiperimunes e pelo grande volume da produção nacional dos antígenos que compõem as vacinas utilizadas no Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde.
E será neste segundo ano de pandemia de covid-19, em um período no qual o Brasil vive colapso do sistema de saúde, recordes de mortes diárias e nas médias móveis de transmissão da doença, que a Fundação Bunge homenageará profissionais da área das Ciências Biológicas, Ecológicas e da Saúde, especificamente aqueles dedicados à Prevenção de Doenças Infecciosas, um dos temas contemplados pela 65ª edição do Prêmio Fundação Bunge.
Hoje, com o país em isolamento em meio ao pior momento da pandemia do novo coronavírus, ignorar a gravidade da situação ou aumentar seu risco pode ser fatal. Como previu o Nobel escocês de Economia, Angus Deaton, em seu livro, A Grande Saída, de 2013: “Mais de uma vez na história da humanidade, a razão e a ciência provaram ser as armas mais apropriadas e, no fim das contas, bem-sucedidas no combate a inimigos invisíveis”. É preciso valorizar o trabalho da saúde pública, das pesquisas, dos cientistas e dos profissionais da Saúde.
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