Por ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — Jornalista
O governo brasileiro tinha mesmo que exonerar Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores. Era o caminho na tentativa de uma retomada à prática do diálogo tranquilo, normal e contemporâneo com a comunidade internacional. O personagem que deixa o comando do Itamaraty revelou-se um diplomata às avessas, inibiu o diálogo, criou problemas de relacionamento com a China, a Argentina e os Estados Unidos, precisamente os três maiores parceiros comerciais do país. Além disso, não se movimentou de maneira satisfatória para que o Brasil vencesse resistências e assinasse o tratado comercial com a União Europeia.
O agora ex-chanceler brasileiro é um desastre. Exótico. Seu discurso de posse foi proferido em tupi-guarani. Defendeu o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, quando este fez críticas ao governo chinês. Não precisava ter se envolvido no assunto, mas fez questão de demonstrar sua fidelidade ao chefe. Atacou o embaixador da China no Brasil. É o representante do país que cria o insumo básico para produção da CoronoVac, a vacina que majoritariamente está garantindo imunidade aos brasileiros.
Mas houve outros equívocos graves. O primeiro deles, escandaloso, foi tomar partido no problema político interno da Venezuela. A política tradicional da diplomacia brasileira é não se envolver em assuntos internos de outros países. Mas ele decidiu ficar ao lado de Donald Trump, que apostou ser possível derrubar o governo Maduro em curto prazo. Declarou apoio a Juan Guaidó, que, ao longo do tempo, perdeu substância e hoje não tem nenhuma importância no processo político venezuelano. E Trump não lhe concedeu nada, nenhum aceno. Ficou isolado na América Latina.
Mas o grande erro, símbolo de uma era, aconteceu nos Estados Unidos. O presidente Bolsonaro foi recebido por Donald Trump na Casa Branca. Ele ficou fora da reunião. Cedeu seu lugar no salão oval para Eduardo Bolsonaro, que, aliás, queria ser o embaixador em Washington, porque já tinha fritado muito hambúrguer no Maine. Credencial impecável. Ernesto Araújo submeteu a política externa brasileira à dos Estados Unidos. Foi preciso muita conversa para evitar que os países árabes boicotassem produtos brasileiros depois do anúncio da transferência da embaixada do Brasil de Telavive para Jerusalém, que, afinal, não ocorreu.
O desgaste do ex-ministro das Relações Exteriores, que jamais comandou uma embaixada, foi enorme dentro do próprio Itamaraty. Ele ficou isolado na casa de Rio Branco. Se for removido para uma embaixada, terá que ser aprovado pelo Senado Federal, o que será muito difícil neste momento. Ele entrou numa situação semelhante à do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. O presidente tentou vários lugares para acomodá-lo, como sinal de agradecimento, mas ele foi discretamente repudiado por uns e outros, inclusive militares. Vai terminar em uma função secundária no Ministério da Defesa.
Mas há outra margem nessa travessia. Chama-se Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. Ele integra o chamado grupo ideológico que existe dentro do governo. São os discípulos de Olavo de Carvalho. O principal problema brasileiro no exterior está ligado à conservação do meio ambiente. Os incêndios na Amazônia, a grilagem de terras, a condescendência com garimpeiros que atuam de maneira ilegal e o desmatamento sem controle preocupam dirigentes europeus. O ministro não dá nenhuma atenção aos protestos. Ao contrário, trabalha no sentido de abrir áreas indígenas à exploração comercial. Ou seja, o novo ministro de Relações Exteriores, embaixador Carlos Alberto Franco França, terá enorme dificuldades para agir se não houver mudança também no Ministério do Meio Ambiente.
Porta-vozes do governo de Washington já avisaram que desejam conversar com os brasileiros sobre meio ambiente, antes de tratar da eventual liberação do estoque de vacinas que eles mantêm. A vitória de Biden, que foi ignorada até o limite em Brasília, provocou diversos realinhamentos no mundo. No Brasil, era previsível que o país ficaria contra a maré montante na política internacional. O plano de recuperação econômica do governo dos Estados Unidos é estonteante. Está em execução o projeto para despejar quase dois trilhões de dólares sobre os norte-americanos. É uma brutal intervenção do governo na economia, muito maior do que Roosevelt fez na época do New Deal. As forças do mercado não são suficientes para fazer a economia voltar à sua trajetória de crescimento. Os chineses fizeram algo semelhante. Os manuais da ortodoxia econômica foram aposentados.