Por ROBERTO BRANDT — Economista
As democracias evoluíram através do tempo para que a qualidade dos governantes eleitos não afetasse de modo irreversível a vida das nações. Para esse fim, desenvolveu instituições de controle e de compartilhamento dos poderes, para impedir que um governo absoluto ficasse livre para cometer erros absolutos. Todos reconhecemos que o sistema democrático privilegia a liberdade diante da eficiência, na medida em que não pode impor a conciliação dos dois objetivos. Eleições livres, em que toda a população participa sem restrições, nem sempre conduzem à escolha dos melhores, porque a capacidade cognitiva das pessoas é afetada pelo nível de informação e pelos efeitos das paixões humanas.
Para enfrentar essa questão, os sistemas democráticos garantem a contínua rotatividade do poder, além de submeter os governos ao controle do Legislativo e do Judiciário. Pode perfeitamente ocorrer, e ocorre com alguma frequência, que a qualidade política e moral do Poder Executivo seja em algum momento superior aos dos outros poderes, mas esta divisão e este equilíbrio dos poderes é o que assegura a maior estabilidade e o maior bem-estar no longo prazo. O grande pensador inglês Edmund Burke, no final do século 18, já dizia que todo poder corrompe, mas o poder absoluto corrompe absolutamente.
Em tempos normais, é assim que as coisas se passam. Nos momentos de crise, contudo, quando os países escolhem um governante errado, o preço pode ser demasiado. Quase todas as nações passam por momentos decisivos ao longo de sua história. Algumas saem desse teste mais fortalecidas e seguem um destino de prosperidade e de paz. Outras, infelizmente, por falta da liderança necessária, sucumbem diante dos problemas e são condenadas a uma existência medíocre e empobrecida.
Dois exemplos tornam mais claras essas ideias. Diante dos primeiros movimentos de Hitler, um governo desfibrado na Inglaterra, em busca do apaziguamento a qualquer custo, deixou abertas as portas para a invasão alemã da Europa. Depois do fato consumado, para salvar o país, os políticos ingleses, em pânico, recorreram, relutantemente, a Churchill, um espírito superior à aristocracia e à política decadentes que dominavam o país. Sua liderança salvou seu país. Vencida a guerra, a Inglaterra voltou ao normal e derrotou nas eleições o herói que já não era necessário. Assim é a política.
O outro exemplo á menos dramático, mas é uma história também cheia de lições. A Argentina até a 2ª Guerra era um dos países mais ricos do mundo. De repente, foram enfeitiçados por um líder demagogo e caudilhesco, que se elegeu duas vezes presidente, foi deposto, voltou e elegeu-se novamente, foi sucedido por sua viúva e, como um fantasma imortal, continuou assombrando a vida política do país, elegendo sob sua marca a maioria dos presidentes até hoje. O resultado é que o país jogou fora seu destino e tornou-se, talvez para sempre, um país irrelevante, cheio de pobreza e sem futuro à vista. A democracia que, no limite, salvou a Inglaterra, não foi suficiente para salvar a Argentina. A paixão política do povo argentino foi maior do que as instituições da democracia.
A história do Brasil é cheia de percalços. Desde que cheguei ao mundo, passamos por duas ditaduras. Tivemos alguns governos verdadeiramente medíocres, pelo menos duas aventuras inconsequentes e apenas três governos de qualidade — Juscelino, Fernando Henrique e Michel Temer. O saldo é que ainda sobrevivemos, mas nosso destino continua incerto. Deixamos de nos aproximar dos países mais ricos e estamos ficando para trás.
Estamos mais uma vez diante de nosso destino. Estamos sendo devastados pela pandemia, e a nossa economia passa por uma circunstância crítica. Não sabemos o que vai ser de nosso povo, ameaçado pela doença e pela pobreza. Como vivemos numa sociedade livre, nenhuma ordem de comando pode nos salvar. Só a reunião dos melhores, sob o manto de uma liderança iluminada, pode evitar nossa ruína. Quais brasileiros terão a audácia de um gesto? Se depender só do governo, estamos perdidos.