Por Maurício de Oliveira Campos Júnior — Advogado
Mais que a inevitável constatação de sua não recepção pela Constituição de 1988, a inutilidade do art. 26 da Lei de Segurança Nacional é flagrante, ao menos para os fins a que deveriam se prestar dispositivos que, à luz da Constituição de 1988, visassem proteger o Estado de Direito e as instituições democráticas.
A tipificação especial de crimes contra a honra do presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal constitui injustificável proteção pessoal encravada na Lei de Segurança Nacional (lei nº 7.170/83), oponível, ontem e hoje, aos críticos dos ocupantes do poder, a pretexto de proteção das instituições que, ocasionalmente, presidam.
Ao criminalizar a conduta de “caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”, o art. 26 da LSN fica em descompasso com o art. 5º, IV e IX, da Constituição Federal, com a jurisprudência do STF e de tribunais internacionais, sobretudo quando o faz sob a égide da proteção da Segurança Nacional.
A rigor, a especialíssima proteção da honorabilidade dos presidentes, das Presidências ou de seus ocupantes promove uma confusão generalizada: confunde o chefe de Poder com a Presidência e a Presidência com a própria instituição, quando o que se deve garantir é o real funcionamento das instituições a serviço da realização dos direitos fundamentais, e não propriamente a sua honorabilidade; e, mesmo assim, sob limites e advertências que garantam a liberdade de expressão.
Não se diga que a conclusão de que o art. 26 da LSN não foi recepcionado pela Constituição levaria a qualquer lacuna punitiva indesejável, deixando desprotegido algum bem jurídico afetado pelas condutas nele descritas, afinal, a proteção penal à honorabilidade pessoal dos quatro chefes de poder encontraria amparo no Código Penal, que também tutela a honorabilidade dos cidadãos em geral, inclusive com especial tratamento às ofensas praticadas contra funcionários públicos.
A par de sua inutilidade, aferível pela constatação de que poucas vezes — senão nenhuma vez — desde sua vigência o dispositivo foi invocado para proteção de Presidentes das Casas legislativas ou do Supremo Tribunal Federal, o art. 26 tem sido revitalizado pelo atual presidente da República à medida que crescem em volume e intensidade as críticas à sua personalidade, às suas condutas, ao estilo e modelo de governança que assumiu imprimir ao país.
Definitivamente, já passa da hora de exorcizar esse “fóssil normativo”, segundo a expressão do ministro Lewandowski, ou esse “corpo estranho”, esse “morto insepulto”, conforme os colegas Adriano Teixeira, Alaor Leite, Alexandre Wunderlich, Miguel Reale Júnior, Oscar Vilhena Vieira e Theodomiro Dias Neto ao contribuírem com o debate em variados fóruns.
Até lá, enquanto não for possível contar com uma lei de defesa do Estado de Direito e das instituições democráticas digna da Constituição de 1988, extirpemos da Lei de Segurança Nacional a proteção especial a agentes políticos que sua exposição de motivos considerava “essencial ao regime”, ou melhor, àquele regime, para que a crítica legítima não esteja à mercê da punição própria das Ordenações Filipinas, quando “maldizer o rei” era crime de lesa-majestade.