Por Paulo Rabello — É economista. Apresentou ao governo, ainda em abril de 2020, um Plano de Retomada Consciente para a economia brasileira
Oportuna e corajosa a iniciativa do mineiro Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, de propor uma “concertação” política entre os Poderes da República e da Federação para fazer frente ao esgotamento dos meios de combate à covid-19 e oferecer melhor socorro às vítimas dessa doença devastadora. Em bom mineirês, a tal concertação quer dizer: chamar quem governa o país para uma conversa séria que leve a providências práticas e urgentes. Como está é que não dá pra ficar. O presidente do Senado quer prevenir o acúmulo de rancores inúteis que levarão nossa sociedade, já estressada e desesperada, ao limite da ruptura institucional. É a situação em que todos brigam e ninguém tem razão.
Concertações, via de regra, ficam só na conversa e na tentativa. Mas o país destrambelhado suplica por ações. Para ir além da conversa, uma concertação deve ter regras básicas: 1 — todos devem, primeiro, ouvir as outras partes; 2 — não é para ruminar o passado nem apontar culpados; 3 — críticas sem soluções práticas não valem na conversa.
O senador Pacheco sabe que estará lidando com vaidades de pessoas assemelhadas a deuses. Todo jeitinho mineiro será necessário para manter cada qual à mesa de negociação. O presidente da República tem sua pauta: retomar a economia e recuperar milhões de empregos. É uma pauta fundamental que não precisa se opor aos cuidados dos prefeitos e governadores com a doença. Já sabemos que ajudas emergenciais são um tiro curto.
Valeram em 2020, mas duram apenas pelos meses de sua vigência. É preciso acionar muito mais os mecanismos de crédito direto às empresas. Sobretudo às pequenas, geradoras de postos de trabalho, inclusive informais. O BNDES e o BB têm muito mais a fazer sobre o que já fizeram em 2020. Empregos em novas obras de infraestrutura podem ser multiplicados. Investimentos que estão na prateleira dos ministros Tarcísio e Marinho. Isso depende de recursos que passarão a existir caso haja decisão para a urgente revisão dos orçamentos entre despesas correntes obrigatórias e as de investimento. O mesmo devem fazer governadores e prefeitos.
E a população? As pessoas não querem morrer na fila nem numa ambulância. As palavras-chave (que largamente faltaram até agora) são planejamento e logística. A ausência de diálogo efetivo entre os três níveis de gestão — Ministérios (não só da Saúde), governos estaduais e prefeituras – levou ao desperdício de se gastarem, no ano passado, cerca de R$ 44 bilhões (!) como despesas federais extraordinárias no combate direto à covid, para chegarmos sem leitos nem equipes médicas para fazer frente ao novo surto da doença em 2021.
Para dar exemplo corriqueiro: ganha um doce quem trouxer à mesa as informações consolidadas, por município, da oferta efetiva de leitos de UTI e de enfermaria, os pré-existentes em 15 de março de 2020 e os disponíveis hoje. Não sabemos. A falta de planejamento começa por se desconhecer o inventário das armas de que dispomos (e onde estão) para enfrentar a doença.
O horizonte da ignorância se alarga muito quando perguntamos quem produz e abastece os hospitais dos medicamentos e outros itens críticos para as equipes. E essas equipes, quantas são, como estão e quanto ganham para compensar os riscos que correm?
Conclusão preliminar para nosso preclaro senador concertante: o último dos nossos problemas é a falta de dinheiro, apesar dos monstruosos deficits fiscais incorridos. Nossa ignorância sobre o teatro da guerra é restrição muito maior. Nossa quase absoluta falta de coordenação territorial e temporal é outro drama mais grave. A falta de tempestividade nas medidas preventivas — como tem sido a epopeia das vacinas (não fosse pelo Butantan, seria muito pior!) mostra quanto podemos evoluir em tomar decisões na hora certa.
Essa é a grande hora da política com P maiúsculo. É hora da união entre adversários antes que estes se tornem inimigos e corra sangue nas ruas.
Uma última condição se torna essencial para fazer a conversa da concertação virar um conserto de verdade para o país: é o desapego. Desapego aos privilégios que hoje classificam todas as verbas do setor público como intocáveis enquanto falecem as empresas produtivas e morrem os empregos no setor privado. Desapego a vantagens e subvenções incompatíveis com um momento de tal emergência. Desapego a sonhos de permanência no poder e a privilégios nepotistas de todo tipo. O povo já vem pagando caro há tempo demais pela manutenção dos luxos da elite nacional. Pede-se saúde e pede-se empregos. Pede-se mais vacinas e mais gestão eficaz. Não é pedir muito.
Sorte para o jovem e brioso senador Rodrigo Pacheco! E mais sorte e saúde para o nosso Brasil.