Por Leonardo Roscoe Bessa — Procurador de Justiça do MPDFT
"Todos somos consumidores!" A frase marca a mensagem especial dirigida, em 15 de março de 1962, pelo presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, ao Congresso norte-americano, na qual se conferiu ênfase à necessidade de proteção dos interesses do consumidor.
O momento é importante e simbólico para o direito do consumidor. É justamente em razão desse acontecimento, que se comemora no mundo inteiro o Dia do Consumidor. No Brasil, foi por intermédio da Lei 10.504/02, que se estabeleceu o dia 15 de março como o Dia Nacional do Consumidor.
O discurso de Kennedy influenciou positivamente o debate em torno da necessidade normativa de proteção do direito do consumidor. Na década de 1970, foram editadas, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, leis pontuais de defesa do consumidor, as quais focavam em aspectos específicos (publicidade, serviços de proteção ao crédito, vendas em domicílio etc.).
Em abril de 1985, a ONU, recomendou que os governos desenvolvessem e reforçassem uma política firme de proteção ao consumidor para atingir os seguintes propósitos: proteção da saúde e segurança; fomento e proteção dos interesses econômicos do consumidor; fornecimento de informações adequadas para possibilitar escolhas acertadas; educação do consumidor; possibilidade efetiva de ressarcimento do consumidor e liberdade de formar grupos e associações que possam participar das decisões políticas que afetem os interesses dos consumidores.
No Brasil, a mudança se inicia em 1988. A Constituição Federal dedica relevantes passagens ao consumidor (art. 5º, XXXII, art. 170, V) e estabelece, no art. 48 das Disposições Transitórias, que %u201CO Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor%u201D.
O prazo de 120 dias não foi cumprido. O Código foi promulgado em setembro de 1990, com início de vigência em 11 de março de 1991, ou seja, comemoram-se 30 anos de vigência do CDC em data vizinha ao Dia Nacional do Consumidor (15 de março).
O título do artigo indica a dimensão do CDC para os brasileiros. O Brasil possui dezenas de milhares de leis em vigor, mas quantas comemoram aniversário? Há motivos para celebrar. Até a edição do CDC, a tutela jurídica de legítimos interesses do consumidor era escassa, fragmentada, pouco consistente.
Muitas abordagens poderiam ser realizadas por ocasião dos 30 anos do CDC e do Dia Mundial do Consumidor, mas, com certeza, um ponto que merece aplausos é a interação com outras normas que também se referem às atividades desenvolvidas no mercado. O CDC, ao ser editado, se diferenciou bastante das normas até então existentes no panorama internacional, que eram bem pontuais e específicas para determinada atividade no mercado de consumo.
A incidência do CDC à determinada relação contratual não exclui a aplicação simultânea de outras normas especiais quanto à matéria (planos de saúde, bancos, telefonia, consórcios, transporte aéreo, previdência privada, incorporação imobiliária, aplicativos de transporte urbano, etc.). Daí a ideia de diálogo das fontes, ou seja, aplicação e interpretação harmônica (diálogo) de diferentes normas (fontes) a determinado fato.
Em perspectiva de sociologia jurídica, não se deve ignorar o fato que a lei atendeu a anseio de milhões de pessoas. Afinal, se, no dia 15 de março de 1962, já era acertado afirmar que %u201Ctodos somos consumidores%u201D, o que dizer na terceira década do Séc. XXI, com o consumo crescente de produtos e serviços (internet, TV por assinatura, celular, redes sociais etc.)?
Em permanente diálogo das fontes, o CDC olha e protege o consumidor em todos os momentos e sob os mais diversos aspectos: saúde, segurança e qualidade dos produtos e serviços, publicidade, contratos, cobrança de dívidas, serviços de proteção ao crédito, entre outros. Não se trata de tutela cega ou incondicional, como frequentemente se alega, mas de diretriz básica de reequilibrar relação desigual, exigindo dos atores do mercado um agir leal, transparente.
Aliás, as três décadas de experiência do CDC ensinam que é ultrapassada e incompatível com o texto e espírito da Constituição Federal visão antagonista entre consumidor e fornecedor. O consumidor não é adversário do fornecedor. O fornecedor não é inimigo do consumidor. O mercado de consumo atende ao interesse de ambos. Atende também ao objetivo de desenvolvimento do País (art. 3º, II, da CF). A atividade econômica gera empregos, arrecadação de tributos e propicia %u2014 em ambiente de livre concorrência %u2014 crescente qualidade de produtos e serviços no mercado.
A pujança da atividade empresarial é desejo de todos. A defesa do consumidor não deve ser vista como óbice para o crescimento da atividade. O consumidor é o ponto final da cadeia de produção dos produtos e serviços: atender aos seus legítimos interesses patrimoniais e morais deve ser propósito de todo empreendedor.
Que venham os próximos anos do CDC, orientados pela Política Nacional das Relações de Consumo, ou seja, pela %u201Charmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico%u201D, (art. 4º, III).