A convite da Embaixada da França, da Aliança Francesa e da ONU Mulheres participei, esta semana, de um webinário com cinco ativistas que dedicam a sua jornada para a política num ambiente que, sabemos, ainda hoje, é tão masculino: Manuela D'Ávila, Laurence Rossignol, Sonia Guajajara, Anne Blanc e Dorinha Seabra Rezende.
O tema desse webinário, Mulheres na política: Quais os desafios? Como enfrentá-los, fala também sobre mim e sobre todas as mulheres. A representatividade feminina no mundo político não é apenas uma luta pessoal daquelas que decidiram dedicar a vida a transformar seus países por meio de um mandato. Faz parte de uma trajetória coletiva de mulheres que entregam seus votos a outras mulheres, convictas de que só há mudança real por meio da conquista dos espaços de poder.
Nós sabemos que ser uma voz, ter uma voz ativa nos parlamentos, é vencer preconceitos todos os dias, é lidar com o machismo e a misoginia, é viver situações constrangedoras de assédio até hoje. Recentemente, uma parlamentar teve seus seios apalpados num plenário cheio e ainda assim viu o assediador sendo praticamente absolvido no Conselho de Ética. Quando assistimos a uma situação assim, ainda nos perguntamos: até quando teremos de conviver com esse tipo de crime, de violação, de omissão?
Sou nordestina, pernambucana, jornalista. Vim de um lar humilde e cheguei a Brasília há mais de três décadas, para cobrir exatamente esses espaços de poder, local e federal. Desde que cheguei, testemunho situações de profundo desrespeito a mulheres em ambientes hostis, como o mundo corporativo e o político. Acompanhei a Constituinte. Eram apenas 26 mulheres em meio a um contingente de quase 600 parlamentares. E foi um recorde para a época. Antes disso, havia meia dúzia de mulheres no parlamento. Nem banheiro feminino tinha no Congresso.
Lembro-me de uma fala de Maria de Lourdes Abadia, uma das constituintes, que contou ter ouvido de um parlamentar: "Não querem ser iguais aos homens? Então que aprendam a fazer xixi de pé". Elas viveram todo tipo de constrangimento, eram chamadas de Bancada do Batom e questionadas sobre as marcas das roupas que vestiam. É preciso dizer que a imprensa naturalizava também esses estereótipos.
As constituintes eram mulheres muito diferentes entre si. Havia, entre elas, filhas de ex-presidente e favelada; progressistas a favor do aborto e católicas fervorosas; mulheres bem jovens e outras mais experientes. Ainda assim, com todas as suas diferenças, elas buscaram um lugar de consenso e conseguiram incluir conquistas importantes, como a licença- maternidade e outros, na Carta Magna.
A importância desse evento, com essas mulheres de origens, idades, lugares e histórias diferentes, reside exatamente na construção de um espaço de diálogo. Pois foi conversando e construindo pontes que as mulheres derrubaram muros. Conseguimos feitos extraordinários: de políticas de cotas a avanços nas estruturas de poder. Mas ainda é muito pouco.
Sabemos que a representatividade da mulher na política ainda é baixa: apenas 24% dos espaços de tomada de decisão nos parlamentos do mundo são ocupados por mulheres - e o Brasil está ainda abaixo dessa média, com 15%. O que desejamos é um caminho para a igualdade de gênero na política. Há uma frase de Michelle Bachelet, que comandou o Chile por dois mandatos, que adoro. "Uma mulher na política, muda a [própria] mulher. Muitas mulheres na política, muda a política". É disso que precisamos.