» WILLIAM DOUGLAS
Desembargador federal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Foi titular da 4ª Vara Federal de Niterói (RJ). É professor e escritor
» LUCIANA ELMOR
Diretora da secretaria na Seção Judiciária do Rio de Janeiro, formada em direito, especialista em direito público, com MBA em Poder Judiciário pela FGV e mestranda em direito pela Escola Paulista de Direito
O atual modelo de prestação dos serviços públicos deixou de atender às legítimas expectativas dos cidadãos, se é que algum dia o fez. Embora existam ilhas de excelência, a percepção de ineficiência, demora, mau atendimento e baixa qualidade está incrustada no imaginário social e prejudica até os órgãos e servidores exemplares, que oferecem um excelente serviço à população. Essa situação afeta negativamente a imagem do Estado e retroalimenta a percepção negativa. Temos, portanto, um ciclo de degradação aparentemente infindável. Reverter o quadro, no entanto, é possível e urgente, como mostram exemplos advindos dos diferentes poderes.
No Judiciário, por exemplo, há iniciativas-modelo, como a atuação do próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo com alta demanda e no contexto da pandemia, o STF julgou, em 2020, mais de 5,6 mil processos, como informou o presidente Luiz Fux no fim do ano. Em setembro, ao encerrar sua gestão, o ministro Dias Toffoli contabilizava a redução de 70% do acervo de processos pendentes de julgamento. O investimento em inovação tecnológica e o uso adequado desses recursos pelos ministros e servidores estão entre as causas desse bom resultado.
O primeiro passo para reverter o desgaste do serviço público perante o cidadão é reconhecer a existência do problema e, a partir daí, refletir sobre o modelo de gestão adotado no país. Como em diversos temas, a Constituição contém as respostas e caminhos para efetuarmos as correções necessárias. O artigo 37, especificamente, determina que a administração pública (direta e indireta, em todos os poderes e níveis de governo) obedeça aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.
É preciso tratar esses valores como um verdadeiro mantra e, de forma obcecada, buscar concretizá-los. A aprovação no concurso e a nomeação são grandes conquistas. Elas devem, no entanto, se fazer acompanhar por treinar, preparar e cobrar o cumprimento das responsabilidades e obrigações, como construir e materializar, no dia a dia, os princípios da Constituição. É preciso, portanto, estimular a revitalização da legitimidade do serviço público.
Transformar a realidade exige mudança de postura e adoção de novas práticas. Os cidadãos são, afinal de contas, o motivo da existência dos órgãos, dos serviços e dos cargos públicos e, na forma da CF, o povo é o titular do poder. Os atores do sistema público precisam se perceber como empregados do titular do poder, servos, e não senhores. Líderes, gestores e servidores, todos precisam internalizar e se comprometer com cada um dos valores que regem a atividade do Estado. Só assim, a mudança de paradigma poderá ser efetivada.
Colocar em prática os princípios constitucionais depende de uma comunicação clara entre os líderes e suas equipes, cujos integrantes não podem ser surpreendidos com desafios incompreensíveis ou com os quais não se identifiquem. Comunicar as atividades de modo eficaz, desde o início, garante que todos assimilem a missão e a visão sobre a mudança.
Atuando na 4ª Vara Federal de Niterói por mais de 20 anos, constatamos que a qualidade e a produtividade do trabalho aumentam à medida que cada gestor, colaborador e servidor internaliza o significado dos princípios e valores que regem suas tarefas. Líderes precisam engajar as pessoas em torno de princípios, objetivos e metas. Como resultado dessa mentalidade, encerramos 2020 sem processos em atraso, sejam despachos ou decisões e, em anos anteriores, recebemos o reconhecimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Instituto Innovare, dedicado a disseminar as boas práticas no mundo jurídico. A motivação e a capacidade técnica das equipes devem ser cultivadas.
A gestão (em especial a de pessoas, mais do que de processos) é, portanto, um dos pilares mais importantes da efetiva transformação dos órgãos e das instituições públicas a partir de mudanças na concepção de suas atividades. Cabe aos gestores o compromisso com o desenvolvimento permanente e com a humildade intelectual, permitindo a evolução e a contribuição de todos, sem se isolar. Um gestor de excelência não chefia. Ele lidera, engaja, reúne, cria condições de elevação individual e coletiva. A partir disso, os serviços prestados melhoram. A sociedade retribui manifestando respeito e satisfação com os serviços entregues.
Outro dever do gestor é utilizar as ferramentas já existentes no regime jurídico para repreender, corrigir, punir, reeducar e, se preciso, excluir do serviço público os servidores que não agirem de forma correta, ou por corrupção, ou desídia, ou incompetência. A leniência prejudica o serviço público e, levada ao extremo, coloca em risco a estabilidade que protege mais a sociedade do que os próprios servidores, garantindo maior profissionalismo, segurança e serviço ao Estado, e não aos detentores eventuais do governo.
Adotar novos paradigmas que representem a efetividade dos princípios e valores institucionais significa que não podem ser apenas palavras estampadas nos textos legais. Eles precisam ser materializados, internalizados e ressignificados a cada dia, gerando uma compreensão perfeita de seus objetivos. Assim, a contribuição dos valores públicos para a eficiência da gestão no serviço público representa não somente um arcabouço de princípios para orientar os órgãos e as instituições públicas, mas, também, o dever de buscar, permanentemente, a transformação dos serviços entregues à sociedade.