OPINIÃO

Auxílio emergencial sem corte de despesas

Por JOSÉ PASTORE — Professor da Universidade de São Paulo e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP. É membro da Academia Paulista de Letras

Se, de um lado, temos de aplaudir a sensibilidade do governo, de outro, temos de lamentar a demora na concessão de novo auxílio emergencial para os mais pobres — bem diferente de 2020 quando, ao observar os primeiros sinais da grande recessão que se aproximava, governo e Congresso aprovaram prontamente três medidas que evitaram um desastre maior: 1) auxílio emergencial de R$ 600 mensais; 2) redução de jornada e redução de salário: 3) suspensão do contrato de trabalho.

Anuncia-se a reativação dessas medidas para 2021. Mais do que necessário. A situação atual é muito aflitiva em vista do agravamento da epidemia. Pelo menos 30 milhões de famílias estão sem trabalho, sem renda, sem vacina e sem auxílio. Os relatos na imprensa são dolorosos. É muito triste ver famílias que não conseguem alimentar as crianças.

Os que trabalham na informalidade — como empregados ou por conta própria — foram os mais afetados. A maioria realiza trabalhos que envolvem contatos com pessoas. Assim é o caso dos barbeiros e manicures, garçons e atendentes de bares, restaurantes e hotéis, profissionais de academias de ginástica, personal trainers, fisioterapeutas e muitos outros. Há ainda uma imensidão de informais que executam trabalhos nos domicílios: faxineira, domésticas, pedreiro, eletricista, técnicos de TV etc. que pararam de trabalhar devido ao medo de contágio das famílias que passaram a evitar o entra e sai de suas casas. Finalmente, há os que dependem da rua, onde o movimento também caiu. É o caso dos vendedores nas portas dos estádios, nas escolas, no ponto dos ônibus, na saída do metrô etc.
O quadro é desesperador. É inconcebível que os parlamentares tenham demorado tanto para dar a necessária base legal ao novo auxílio emergencial ao mesmo tempo em que, para atender seus interesses, quase votaram em regime relâmpago a chamada PEC da impunidade.

Originalmente, a PEC 186 (PEC Emergencial), que respalda o auxílio emergencial, buscava estender para os servidores públicos as medidas acima anunciadas — redução de jornada com redução de salário e suspensão do contrato de trabalho. Era uma importante providência para igualar os servidores públicos aos empregados da iniciativa privada e, com isso, obter uma sensível redução dos gastos com pessoal dos governos da União, dos estados e municípios.

Pois bem. A primeira providência dos parlamentares foi retirar da PEC essa importante medida. Ficou um gatilho que faculta aos governantes corrigir desequilíbrios quando as despesas dos órgãos ultrapassarem 95% da receita. Dizem que isso foi para acalmar o mercado financeiro, que está de olho no galopante deficit público. Mas, trata-se de uma orientação genérica, não se sabe qual será o corretivo a ser usado pelos governantes. Ademais, é enorme a dificuldade para controlar e fiscalizar os governos. Bem diferente eram a redução de jornada e a suspensão do contrato de trabalho.

No momento em que fecho este artigo (3/3/2021), a PEC 186 foi aprovada pelo Senado e será encaminhada à Câmara. Não me surpreende se os congressistas desidratarem-na ainda mais. Lamentável. O Brasil perdeu mais uma excelente oportunidade para impor disciplina com gastos de pessoal para todas as esferas de governo. Afinal, a prática da redução de jornada e da suspensão de contratos já foi aplicada com êxito a 10 milhões de empregados do setor privado. Além de gerar economia para os empregadores e renda para o consumo, elas afastaram um desemprego em massa.

A retirada desse mecanismo da PEC 186 teve um só propósito: não gerar descontentamento entre os servidores públicos que são importantes eleitores dos congressistas, prefeitos, governadores e do presidente da República. Mais uma vez o voto falou mais alto do que a razão, e o sofrimento foi friamente passado para os mais pobres, novamente.