Por VALDIR OLIVEIRA — Superintendente do Sebrae/DF
A Petrobras foi a principal pauta político-econômica dos últimos dias. A troca no comando da estatal é muito mais do que um alinhamento da empresa com o pensamento do governo federal. É o recado de que o espírito nacionalista militar venceu em definitivo o liberalismo do mercado. Quem comprou o liberalismo na eleição passada levou, ao fim e ao cabo, a estatização nacionalista. Em 2018, o liberalismo se uniu ao nacionalismo para combater um inimigo comum, transformando-se, dia a dia, em metades antagônicas. Um casamento que vive uma contradição inconciliável não resiste às agruras da vida, mesmo que a racionalidade tente forçar uma paixão.
O governo militar que vivemos a partir do início da década de 60, apesar de contestar o movimento de intervenção estatal de esquerda, direcionou o país para um modelo de desenvolvimento baseado em isenções e subsídios e buscou induzir a industrialização brasileira por meio do Estado empresário. Esse movimento trouxe problemas fiscais e endividamento estatal, o que forçou os gestores da política econômica da época a exercerem a ação de controle de preços para combater a inflação. Essa construção fere os princípios liberais históricos. O sentimento nacionalista mostrou ser mais forte e não permitiu que o mercado ditasse regras que pudessem ferir o populismo político de quem ouve o grito da sociedade.
A redemocratização do Brasil, a partir de 1985, trouxe, com a Constituição de 1988, um novo modelo de Estado, em que a democracia privilegiou a liberdade de expressão, mas não a liberdade econômica. O espírito nacionalista se manteve fortalecido com a continuidade de um Estado indutor de desenvolvimento, intervindo de forma indireta com subsídios ou de forma direta com o fortalecimento de estatais. A experiência de um governo social-democrata também passou na nossa história recente. A propalada ineficiência estatal trouxe um flerte entre o governo e o mercado, com privatizações e regulação do mercado mediante o controle de agências, reduzindo a participação do estado empresário. Isso despertou a esperança naqueles que queriam o Brasil um país com liberdade econômica.
Mas o fortalecimento das corporações, advindo do espírito protecionista da constituição de 1988, transformou a representação laboral, a justiça do trabalho e a burocracia estatal em grandes barreiras para o avanço de uma liberdade econômica desejada pelos liberais. A resposta política para o fortalecimento das corporações levou o Brasil a um governo de esquerda, reforçando o Estado brasileiro intervencionista e ampliando a atuação do Estado provedor.
Essa ampliação não resistiu a uma grave crise econômica. Com o desemprego crescente e a volta do desequilíbrio fiscal, o modelo de Estado intervencionista não resistiu à pressão política das ruas, e o país passou por uma nova mudança, no pleito eleitoral de 2018, com a volta do nacionalismo militar aliado aos liberais de mercado. A história parece se repetir, vivendo aquele início da década de 1960, que estimulou uma guinada nacionalista no país. O sonho de ver um Brasil livre economicamente levou os liberais a reviver aquele momento, esquecendo que o desfecho não foi o desejado por eles. Essa união eventual ganhou a eleição em 2018, mas não mostrou, até agora, o resultado esperado de uma economia livre das amarras do Estado.
Apesar de antagônico, o novo casal se identificou pela agressividade na defesa de suas teses. A desqualificação da máquina pública e a ineficiência foram as marcas para propagandear a redução do Estado e justificar o discurso do corte de incentivos públicos históricos. A narrativa foi transformar o servidor público no inimigo número um da sociedade, sendo o responsável pelas mazelas fiscais do país. Mas o espírito nacionalista, com seu apetite eleitoral, a cada dia boicota o avanço liberal, afastando seus pensadores do governo, frustrados e decepcionados com a impossível união. Enquanto o desgaste desse casamento avança, os nacionalistas se aproximam de uma nova paixão.
O namoro com o grupo parlamentar conhecido como Centrão começou a desenhar uma nova relação, e os nacionalistas redescobriram os encantos da governabilidade da política. Nos últimos dias, o casamento de fachada original, selado em 2018, sofreu grande abalo e descortinou o fato de que vive apenas de aparência. Mas a busca pelo apoio daqueles que foram apoiadores de primeira hora faz o governo alimentar a esperança dos liberais com arroubos midiáticos, buscando com palavras mudar o que se entendeu com seus atos e decisões. A palavra não abafa o pano de fundo dessa contradição. A retórica agressiva continuará como fumaça que distorce a realidade, mas o que vemos é que o legado desse casamento de fachada se limitou a uma nova ideologia, o liberalismo de bravata.