OPINIÃO

O que o Mercosul pode aprender com o Brexit?

Por IRENE MENENDEZ — Professora da IE School of Global and Public Affair

A perspectiva de um acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul é uma boa notícia. O acordo criará grandes oportunidades para exportadores e investidores de ambos os lados do Atlântico. Também é um acontecimento positivo dentro de um contexto de governança global enfraquecido, marcado pelo protecionismo econômico, o surgimento de partidos antiglobalização e as tensões geopolíticas entre os Estados Unidos e a China. No entanto, também sabemos que o comércio internacional gera perdedores nos setores expostos ao comércio. Os prejuízos econômicos e sociais daqueles que se sentem abandonados são um fator importante na crescente resistência à globalização. Isso permite tirar algumas conclusões sobre os perigos de uma liberalização descompensada.

O que causa maior resistência à globalização? Nas economias desenvolvidas, a mão de obra qualificada e o capital tendem a ser fatores abundantes de produção. Por isso, especializam-se na exportação de produtos que necessitam de mão de obra mais qualificada e importam produtos que requerem mão de obra menos qualificada. Esse fator aumenta a renda dos proprietários de capital e trabalhadores qualificados e diminui a dos latifundiários ou trabalhadores menos qualificados.

Isso também explica a oposição ao acordo comercial do setor agrícola nos países europeus. Como o comércio beneficia os que estão na parte superior da distribuição de renda, também aumenta a desigualdade salarial nas economias ricas. Estudos recentes sobre economia política associam o aumento de movimentos populistas e antiglobalização, como o Brexit, no Reino Unido, ou Trump nos Estados Unidos (EUA), com uma maior concorrência nas importações e outros fenômenos ligados à globalização. O apoio ao Brexit no referendo de 2016 foi maior nas regiões mais afetadas pela concorrência decorrente das importações de produtos chineses.

Outro elemento importante está relacionado com a existência de mecanismos de compensação para os grupos perdedores. O aumento das importações de produtos chineses nos EUA no final da década de 1990, após a entrada da China na OMC, não veio acompanhado de um aumento dos mecanismos de segurança social. A experiência do Reino Unido também sugere que os perdedores não foram suficientemente compensados. Isso é particularmente importante porque os efeitos do comércio no mercado de trabalho local, em termos de salários e níveis de desemprego, são muito persistentes.
O que isso significa para o Mercosul no âmbito de um acordo comercial com a UE? Nos países de renda média do Cone Sul, os proprietários de grandes áreas de cultivo ou de pasto como a Argentina (e em menor medida, mão de obra pouco qualificada) tendem a ser o principal fator de produção, o que explica que essas economias tenham se especializado na exportação de produtos agrícolas ou que necessitem de mão de obra menos qualificada (manufaturas básicas).

A indústria interna enfrentará mais concorrência das manufaturas europeias, que requerem mão de obra mais qualificada. Em teoria, a vantagem comparativa da região em produtos que necessitam de uma mão de obra de baixa qualificação deveria reduzir os níveis de pobreza e desigualdade nos países dessa região. Mas mesmo que a liberalização comercial tenha implicado melhorias nos níveis de pobreza de muitas economias emergentes, a desigualdade de renda nos países da América Latina não só não diminuiu, como aumentou. Hoje sabemos que o comércio beneficia as grandes empresas exportadoras, como as multinacionais, que tendem a empregar trabalhadores mais qualificados. Também é provável que estes efeitos piorem devido à ausência de Estados de bem-estar fortes na região.

O que fazer sobre isso? É fundamental compensar adequadamente os perdedores da liberalização comercial para alcançar um desenvolvimento sustentável e inclusivo. Embora os acordos comerciais necessitem do apoio dos perdedores, uma vez aprovados, existem poucos incentivos para que a compensação seja efetiva. Seria mais eficaz compensar no âmbito das políticas gerais do Estado de bem-estar, que garantem que os grupos vulneráveis tenham acesso a uma compensação, independentemente de se perdem o trabalho devido ao comércio.

O acordo União Europeia-Mercosul oferece uma oportunidade única para os governos do Cone Sul complementarem os acordos comerciais com redes de proteção social mais amplas (previdência social e políticas ativas de mercado de trabalho que capacitem os trabalhadores) que abordem os problemas econômicos vinculados ao comércio, tornando-o mais equitativo e sustentável.