OPINIÃO

Treze anos e as lições aprendidas para o futuro da Amazônia

Correio Braziliense
postado em 04/03/2021 06:00

Por VIRGILIO VIANA — Engenheiro florestal pela ESALQ, Ph.D. pela Universidade de Harvard, ex-Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas e Superintendente Geral da Fundação Amazônia Sustentável

A Amazônia alcançou um lugar de destaque inédito no debate nacional e internacional nos últimos anos. Os resultados da ciência, apontando para cenários de mudanças climáticas extremamente preocupantes, se somaram aos aumentos crescentes nas taxas de desmatamento desde 2014. Os problemas de má gestão das políticas de desenvolvimento sustentável do Brasil e de outros países amazônicos pôs pólvora numa polêmica extremamente bem-vinda.

Qual é o projeto nacional para a Amazônia? Quais são os projetos dos demais países? Como esses projetos se integram em um projeto regional panamazônico? Como as políticas dessa estratégica região para o futuro do planeta dialogam com os desafios do alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em escala global? Como as políticas de cooperação internacional; investimento, comércio e tarifas; mudanças climáticas e outras contribuem para o alcance dos ODS na Amazônia?

Uma questão mais objetiva e pragmática é como fazer o desenvolvimento sustentável na prática: como sair do debate dos powerpoints, webinars e lives para a ação? Se, por um lado, a pandemia criou um contexto favorável para uma explosão do debate no mundo on-line — e isso é positivo —, por outro, os desafios da Amazônia nos impõem uma concretude nua e crua.

É nesse contexto que a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), ao completar 13 anos de vida, em fevereiro de 2021, pode oferecer lições aprendidas relevantes. A FAS é uma instituição 100% brasileira e amazônica, inventada a partir das inquietudes acerca dos descaminhos da Amazônia, como diria o mestre Darcy Ribeiro. Inventamos uma tecnologia social para que os fazimentos aconteçam de forma participativa. Criamos um sistema de gestão e transparência que resulta em elevados níveis de eficácia, eficiência e credibilidade. Ao longo desses 13 anos, acumulamos lições aprendidas para as comunidades e aldeias da Amazônia profunda e bairros periféricos de Manaus.

A primeira lição é a necessidade de valorizar o papel de organizações da sociedade civil na promoção do desenvolvimento sustentável da Amazônia. A gestão governamental dos processos de desenvolvimento sustentável na região é predominantemente equivocada. A gestão pública, frequentemente, é sequestrada por grupos de interesse, muitas vezes associados a esquemas de corrupção crônica.

O processo de eleições a cada dois anos torna a gestão pública refém das ações de curto prazo, de grande visibilidade e assistencialistas. A polarização político-partidária agrava ainda mais a má gestão pública, marcada pela descontinuidade das ações governamentais. Diante disso, as organizações da sociedade civil têm papel-chave na promoção do desenvolvimento sustentável. Isso pode ser feito diretamente ou por meio de alianças multi-institucionais, por intermédio de parcerias com universidades, empresas, associações locais e órgãos públicos dos diferentes níveis e esferas. Merece destaque, diante da crise da pandemia, a Aliança Covid Amazonas, articulada pela FAS, que, em fevereiro de 2021, contava com 119 membros e tinha conseguido beneficiar 6.660 comunidades e aldeias, além de bairros periféricos das áreas urbanas.

A segunda lição é que cada território eco geográfico e socioeconômico tem uma trajetória de desenvolvimento distinta. Essas trajetórias devem ser aprimoradas, levando em consideração as aptidões do ambiente natural, os direitos e aspirações dos povos originários e populações tradicionais e os interesses e sonhos da população urbana e das diferentes ondas migratórias para a região.

Cada território deve ser planejado de forma participativa, combinando o saber local com o conhecimento científico; combinando o interesse nacional e global com as aspirações e demandas das populações locais. Chamamos isso de gestão participativa local. Feita de forma adequada, funciona. Ao longo de sua história, a FAS implementou mais de 5.671 projetos, definidos de acordo com as prioridades de 581 comunidades e aldeias da sua área focal de atuação, na Amazônia profunda. As prioridades desses projetos foram definidas em mais de 967 oficinas de gestão participativa. Dentre os resultados destaca-se o aumento de 202% na renda média das famílias, que, majoritariamente, superaram a linha da pobreza extrema.

O terceiro aprendizado é o que chamamos de abordagem sistêmica. É uma estratégia de atuação capaz de lidar com todos os temas relacionados com o desenvolvimento sustentável de forma integrada, definidos de acordo com as prioridades de cada território. A abordagem sistêmica contempla os 17 ODS e devem ser agrupados em áreas temáticas prioritárias, alinhados com a teoria da mudança e com um planejamento para 2030.

No caso da FAS, a implementação está estruturada em três agendas (ambiental, social e econômica), 21 eixos e seis programas, que são divididos em subprogramas e projetos. Essa abordagem, convertida em tecnologia social, é fruto de um acúmulo de mais de 13 anos de atividades. Dentre os resultados, destaca-se a redução do desmatamento de 53% no período de 2008 a 2020 na área focal de atuação da FAS, que chega a quase 11 milhões de hectares.

O quarto aprendizado é a importância dos processos de gestão, com foco na melhoria constante da eficiência, eficácia, equidade e transparência. Não basta ter bons propósitos. É essencial investir na construção de indicadores de resultados e impacto; com processos de monitoramento e avaliação interna e externa.

Na FAS, utilizamos 31 indicadores, que abrangem os 17 ODS. Esses indicadores são objeto de avaliações internas, em diferentes instâncias de gestão, desde os projetos até os programas. Monitoramos o avanço diante das metas estabelecidas no planejamento 2030 da instituição, feito pela Bain: 80,3% das metas foram alcançadas em 2020 — ano particularmente desafiador. As 24 auditorias semestrais independentes, realizadas pela PwC, foram 100% sem ressalvas. Nosso custo de área meio está em 20% e as ações para redução de custo mostram ganhos constantes. Destaca-se o investimento em geração de energia solar, que hoje abastece 100% da nossa sede em Manaus.

Sabemos que ainda há muito a fazer nessa luta pelo desenvolvimento da Amazônia. Seguiremos nossa trajetória firmes e determinadas. Como diria o papa Francisco, não temos razões para ser otimistas, mas temos o dever de ser esperançosos. Ainda há tempo para mitigar o colapso ecológico da Amazônia e o tempo urge para corrigir as injustiças e superar as desigualdades sociais da região.

 

 

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