Ao mesmo tempo em que arrasou a economia, o novo coronavírus eleva, a cada dia, o número de óbitos. O país chegou a marca de 250 mil mortos, com mais de 9 milhões de infectados. A pandemia escancarou as mazelas socioeconômicas. Trouxe à superfície mais de 60 milhões de miseráveis, até então invisíveis ao restante da sociedade e também ao poder público. Faltam vacinas, e não há previsão de quando chegarão para a imunização em massa, capaz de conter ou mitigar a circulação do vírus.
Diante da tragédia sanitária, o Congresso retoma a discussão sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, que ressuscita a desvinculação de recursos dos orçamentos da educação e da saúde. O presidente da Câmara, Arthur Lira, aliado do governo, declarou que pretende acabar com todas as vinculações, que fixam percentuais do Orçamento para cada setor, ou seja, direciona os investimentos do governo. Tal regra, se aprovada, será adotada por estados e municípios.
Bom senso e critérios, que contemplem as reais necessidades da população, devem nortear as decisões dos parlamentares. A pandemia jogou luz sobre os deficits no campo saúde. Na última década, o país perdeu quase 20 mil leitos nas unidades do Sistema Único de Saúde, que, desde sempre, é subfinanciado. Se, hoje, as atenções estão voltadas aos que morrem pela covid-19, antes da pandemia, contavam-se os mortos nas filas de espera dos hospitais públicos por falta de internação, medicamentos, exames e tantas outras providências indispensáveis à preservação da vida.
Não à toa, os governos estaduais foram obrigados a improvisar hospitais de campanha para acolher as vítimas do vírus, pois a rede pública entrou em colapso. Com a segunda onda da crise, a partir do último semestre de 2020, a situação nas unidades hospitalares tornou-se caótica.
Na educação, a crise parece eterna. O Brasil abriga mais de 11 milhões de analfabetos. Quase 3 milhões de crianças e adolescentes estão fora da escola. Faltam unidades de ensino e insumos. Os professores são os profissionais de nível superior com os piores salários, embora sejam imprescindíveis à formação de todos que chegam às universidades e, quando formados, têm remuneração superior aos que lhe repassaram conhecimentos e práticas. Metade da população brasileira vive sem acesso aos serviços de saneamento básico.
Há, portanto, um conjunto de demandas sociais que impactam a economia, sem resposta do poder público. Embora a crise econômica exija alguma flexibilidade na aplicação dos recursos financeiros, visando a retomada do crescimento do país, por meio de estímulos aos setores produtivos, para a criação empregos — hoje, são quase 14 milhões de desempregados —, é fundamental ter cautela. Não pode ser um “libera geral”, que comprometa os aspectos sociais — saúde, educação, segurança, saneamento básico, habitação, entre outros direitos constitucionais — em favor de alguns segmentos que dão baixo retorno à sociedade.
Faltam mecanismos que interrompam o fluxo da corrupção, que tem contribuído para a expansão das iniquidades pelo comprometimento da oferta de serviços públicos essenciais. Mais sensato seria direcionar esforços na construção de uma reforma tributária, que desse aos entes federados — municípios e estados — meios reais de impulsionar o desenvolvimento e garantir as conquistas sociais e econômicas contidas na Constituição cidadã, dentro de um projeto de nação. E, sobretudo, cortar gastos desnecessários. Não há mais como suportar tanto desperdício.