Quem samba fica, quem não samba vai embora

Ocarnaval é a maior manifestação cultural do Brasil e é uma celebração da vida e da alegria. Em Brasília, o Carnaval existe desde antes da fundação da cidade. Dos bailes na Cidade Livre, no Brasília Palace, no Hotel Nacional. E no desfile das escolas de samba, que acontecem desde 1962. Faz parte da história e da alma da cidade.
De uns anos pra cá, no entanto, alguns iluminados tentam reescrever a história do carnaval de Brasília, como se ele tivesse nascido agora, com a proliferação dos tais bloquinhos.
Isso não é verdade.
Como capital de todos os brasileiros, o carnaval de Brasília tem espaço para todas as manifestações culturais. As escolas de samba, o frevo, o Boi Bumbá, o axé e até os tais bloquinhos, que não andam, alguns tocam até rock e sertanejo, mas acham que são blocos de carnaval.
Antes disso, os verdadeiros blocos de carnaval, aqueles que andam, que têm marcha, frevo ou samba-enredo, que têm bandeira ou estandarte, já existiam na cidade — Pacotão, Galinho de Brasília, Baratona, Ase Dudu, Mamãe Taguá, entre outros. A começar pelo Pacotão, o pai de todos os blocos, que há 43 anos desafina o coro dos contentes, andando sempre pela contramão.
O crescimento dos blocos de rua é um fenômeno nacional, não é uma exclusividade do nosso quadradinho. A diferença é que nas outras cidades eles não querem assumir um protagonismo que pretendem nos impor aqui. No Rio, o Suvaco do Cristo, o Escravos da Mauá, o Cordão da Bola Preta, a Banda de Ipanema, o Imprensa que eu Gamo convivem harmonicamente com as Escolas de Samba da Marquês de Sapucaí e da Intendente Magalhães. Ninguém quer tomar o espaço de ninguém.
Alguns desses bloquinhos são, na verdade, shows de rock, de funk, de sertanejo, que podem acontecer em qualquer época do ano, não necessariamente no carnaval. Mas, tudo bem. Cada um no seu quadrado. Tem gosto e espaço pra tudo. E para todos.
Estamos há sete anos sem desfile das escolas de samba, por falta de coragem política dos nossos governantes, que não entendem que escola de samba é, acima de tudo, cultura popular e apoiar a cultura é dever constitucional do Estado.
Dizer que o dinheiro do carnaval vai para a merenda escolar, a saúde, a segurança, mais do que uma hipocrisia, é uma mentira.
O Estado tem o dever constitucional de cuidar da saúde, da educação, da segurança e, também da cultura.
Sem falar no potencial econômico, com a geração de emprego e renda, que um desfile de escola de samba proporciona, seja pela contratação de profissionais de diferentes áreas, como costureiras, marceneiros, serralheiros, desenhistas, coreógrafos, entre outros, seja pela compra de materiais para a confecção de fantasias e alegorias que aquecem o comércio da cidade. A chamada cadeia produtiva do carnaval.
Na verdade, o que esses governantes fizeram foi lavar as mãos e se livrar de um problema. Até porque é mais barato e menos trabalhoso apoiar bloquinhos, do que apoiar e ajudar a organizar um desfile de escolas de samba.
Mesmo assim, escolas de samba como a ARUC, que é Patrimônio Cultural Imaterial do Distrito Federal, e este ano faz 60 anos, a Acadêmicos da Asa Norte, que ontem completou 52 anos, e a Capela Imperial de Taguatinga, com seus 45 anos, entre outras, estão vivas, tentando sobreviver, mostrando, como já ensinou o poeta, que o samba, agoniza, mas não morre.
Desconhecer a existência delas é desconhecer a história cultural de Brasília. Ou tentar reescrevê-la.
Como diz outro velho samba: “Nós não queremos abafar ninguém, só queremos mostrar que fazemos samba também”.