Sou de um tempo em que passar o carnaval em Brasília era concordar absolutamente com Tom e Vinícius, uma tristeza sem fim. Isso para quem é de carnaval, claro. Quem não gosta de samba, mesmo sendo um bom sujeito, achava era boa aquela tranquilidade toda. Mas, para nós, os apaixonados pela folia, não tinha remédio (ou cachaça) que desse jeito.
Quando ia chegando perto de fevereiro, começava a movimentação. E era um tal de “vou para Salvador”, “vou para Recife”, “vou para as pequenas e apimentadas cidades de Minas Gerais”. Quem não podia viajar, festejava no sofá.
Não! Justiça seja feita. A gente tinha alguns blocos de rua, o Pacotão, o Galinho, a Baratona. Ahhhh, a Baratona... E havia os carnavais dos clubes também. Estes, sim, bastante tradicionais na cidade, com seus bailes e matinês. Até hoje, o salão do Minas tem cheiro de confete.
Foram bons tempos, mas pouco democráticos quando o assunto é carnaval, que deveria ser a festa mais acessível do Brasil. Quem não tinha dinheiro para pagar os ingressos dos clubes, acabava com poucas opções de diversão.
Ainda assim, a gente carregava um orgulho imenso dos bloquinhos que existiam. Levantávamos seus estandartes como um troféu. E ai de quem falasse mal deles! Até hoje, temos carinho, uma nostalgia gostosa de quem acompanhou a cena carnavalesca mudar.
E mudou! Não foi do dia para noite, mas mudou! A crise apertou e muita gente deixou de viajar. O jeito era brincar em casa mesmo, dentro do nosso quadrado. Então, os blocos de rua começaram a aparecer, ainda tímidos, adolescentes tentando encontrar sua identidade. Aos poucos, multiplicaram-se. Veio o Suvaco da Asa, alguém vestiu um Baby-doll de Nylon...
Até nossas próprias marchinhas começamos a compor. Afinal, estamos em Brasília e assunto para paródia aqui não falta. Vieram os problemas também, claro! O crescimento do carnaval trouxe confusão, violência. Assim como em todas as grandes capitais do país, infelizmente.
Mas o brasiliense folião não poderia estar mais feliz. Aquele velho conhecido “estou indo viajar” já não despertava mais tanta magia assim. Apesar da chuva que insiste em sempre cair nos dias de festa, aprendemos a produzir a nossa própria magia.
Considerando que estamos falando de uma cidade muito jovem, nem demorou tanto tempo assim até termos um carnaval para chamar de nosso. E que carnaval! Em 2020, foram mais de 180 blocos de rua cadastrados junto ao governo local. Não poderíamos imaginar o que estava por vir.
Este ano, não tem bloco na rua, não tem celebração. Só um nó na garganta e uma vontade ilimitada de viver. A gente precisa viver primeiro, para brincar novamente no ano que vem. Vai nos doer ver as ruas vazias, o samba tocando baixinho, a folia silenciada. E aquele carnaval que por muito tempo não tivemos, vai fazer uma falta danada...
* Jornalista e escritora. É palestrante, consultora de escrita criativa