Em sua brilhante obra Sapiens – Uma breve história da humanidade, que acaba de ser adaptada para quadrinhos, o filósofo e historiador israelense Yuval Noah Harari conta a trajetória do Homo sapiens desde seu surgimento, há 2,5 milhões de anos, na África oriental. E, principalmente, a partir do seu grande salto evolutivo, há cerca de 70 mil anos, que Harari chama de evolução cognitiva, com a invenção da ficção (religiões, mitos, nações, marcas de produtos...), que propiciou a supremacia do sapiens sobre as demais espécies humanas e os outros animais, quando se espalhou pelo mundo.
A ciência ainda tenta explicar se o sapiens aniquilou (substituiu) ou se miscigenou com os neandertais, espécie humana que povoava a Europa e parte da Ásia. Entre os pesquisadores prevalecia a primeira hipótese, a teoria da substituição. “Os cientistas não tinham interesse algum de abrir a caixa de Pandora do racismo ao afirmar a existência de uma diversidade genética significativa entre as populações humanas modernas”, diz Harari na obra.
Tudo mudou, entretanto, em 2010, quando foram publicados estudos de mapeamento genético dos neandertais. Geneticistas coletaram DNA intacto de fósseis neandertais em quantidade suficiente para comparar com o DNA de humanos contemporâneos. E o resultado surpreendeu a comunidade científica. “Revelou-se que de 1% a 4% do DNA das populações modernas do Oriente Médio e da Europa é de DNA de neandertal”, lembra Harari. Houve miscigenação, mesmo que pequena.
Fato é que os neandertais desapareceram há 30 mil anos, com ou sem genocídio, e os sapiens se tornaram senhores absolutos do planeta, a única espécie humana viva. Em tese, não haveria mais racismo. Harari deixa claro que, desde então, não existe raça branca, negra ou amarela, existe apenas uma raça, a humana, o Homo sapiens, e, por isso, o racismo não se justifica.
Tal constatação, entretanto, não impediu a proliferação da praga do racismo como um vírus incontrolável pior do que qualquer pandemia. As diferenças de cor da pele e da compleição nada têm a ver com raça, e, sim, com adaptações do corpo humano às diferentes regiões do planeta que o sapiens colonizou. Os primeiros sapiens que chegaram à Europa, por exemplo, tinham a pele escura por causa do clima quente na África e precisavam de proteção natural contra a luz solar. Na Europa, a pele branqueou com o decorrer dos milênios.
A ciência ainda estuda se o racismo é um fenômeno biológico ou sociológico. Existem indicativos de que é social, um conceito aprendido, como uma opinião formada pelo indivíduo antes de adquirir conhecimentos adequados, uma falsa superioridade sobre o outro. Afinal, as diferenças genéticas são mínimas. “Nós não identificamos em animais um correlato exato ao preconceito, especialmente porque preconceito é uma construção verbal e social típica das culturas humanas”, afirmou a professora Patrícia Izar, doutora do departamento de psicologia experimental da USP, em recente entrevista ao site Ecodebate.
O geneticista mineiro Sérgio Pena é enfático: “Ao postular a existência de uma natureza humana evolucionariamente moldada para ser etnocêntrica, paroquial, bairrista e chauvinista, esses discursos geralmente terminam por atribuir ao racismo uma inevitabilidade natural. Isso não é verdade, pelo contrário, as ‘raças’ e o racismo não têm nenhuma justificativa biológica e não passam de invenção muito recente na história da humanidade”. Enquanto a ciência busca respostas para desmascarar de vez esse terrível preconceito, o racismo estrutural segue imbatível, inclusive matando, por falta de educação e de punição.